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A elegância: mais que boas maneiras


Ricardo Yepes Stork

A elegância não deve ser uma característica puramente externa, mas vir de dentro, fruto da posse completa da própria interioridade.

Fala-se muito de dignidade humana, mas poucas vezes esse tema é tratado do ponto de vista intimista e estético. Comportar-se dignamente é algo que se aprende, e que tem a ver com a verdade simples de que o feio é indigno e vergonhoso, e deve ser ocultado ou substituído pelo belo e elegante. A presença do belo e do feio em nós mesmos é um componente fundamental da nossa dignidade.

Trata-se de uma questão que nos preocupa mais do que em principio estaríamos dispostos a admitir. O que as pessoas pensam de mim? Como me pareço? Será que não estou horrível? Será que acham que sou burro, velho, ou chinfrim? Alguém notou que a culpa foi minha? O que o meu chefe vai dizer? Vou passar por imbecil?

A gama de atitudes humanas que entram em jogo para preservar a nossa dignidade é extremamente rica. Talvez as mais importantes sejam a vergonha, o pudor e a elegância

A vergonha

“Ter a vergonha é sentir-se intrinsecamente mau, fundamentalmente feio como pessoa”. A vergonha é um sentimento espontâneo que a pessoa tem diante de si mesma ou dos outros quando algo nela, e portanto ela mesma, lhe parece feio, e portanto indigno e vituperável.

O sentimento de vergonha afeta assim o íntimo do homem e por isso é tão importante. A vergonha, desempenha um papel decisivo na formação de uma consciência moral reta, que faz com que nos sintamos bons ou maus, inocentes ou culpados. Se o vergonhoso é o feio presente na pessoa, é compreensível porque os clássicos gregos diziam que o contrário de belo era precisamente o vergonhoso ou torpe. Quando vemos nos outros, ou até em nós mesmos, ações, gestos ou palavras ofensivos à sua dignidade ou à nossa, dizemos que se trata de algo vergonhoso.

O pudor

Quando uma pessoa se sente arbitrariamente tolhida da sua intimidade, que passa então a matéria pública, fica com vergonha e mesmo raiva. No entanto, o sentir-se indevida e involuntariamente “transparente” diante dos outros é uma manifestação de um segundo sentimento: o pudor, uma inclinação para cobrir a própria intimidade aos olhares estranhos. O pudor tem uma relação forte com a dignidade, pois acentua a guarda da intimidade, faz-nos possuí-la mais plenamente, ser mais donos de nós mesmos. O pudor é uma manifestação da liberdade humana aplicada ao próprio corpo. O pudor é algo como que a expressão corporal espontânea do direito à intimidade e à própria dignidade.

Assim, talvez a maneira mais grave de destituir as pessoas da sua dignidade intrínseca é violar sua intimidade, isto é, expô-las e obrigá-las a revelar a sua intimidade a contragosto, muitas vezes por meio de coação física ou psicológica: expô-las à vergonha pública e privá-las da posse de algo que é só seu: o seu íntimo.

O pudor é, pois, o amor à própria intimidade, a inclinação a manter latente aquilo que não deve ser mostrado, a calar o que não deve ser dito, a guardar o dom e o segredo verdadeiros que não devem ser comunicados senão àquele a quem se ama. O pudor é o ferrolho que abre e fecha por dentro o umbral por que chegamos à pessoa. É algo que se nos dá, se é justo que o recebamos, e não podemos forçá-lo. Se o fazemos, penetramos um território que não nos pertence.

É preciso dizer que o pudor não inclui apenas a interioridade espiritual ou psíquica, mas também o corpo, pois ele e o que a ele se refere fazem parte da nossa intimidade: as roupas, as ações, os gestos e movimentos corporais. O pudor estende-se também à casa e, em geral, à linguagem expressiva, pois ambos são âmbitos de manifestação do íntimo, o lugar onde a pessoa vive consigo própria.

Por ser o corpo parte da intimidade, o pudor tem um aspecto de resistência à nudez, como um convite a buscar a pessoa para além do seu corpo. Por meio de atos e gestos pudicos, a pessoa recusa que seu corpo seja tomado, separadamente da pessoa que o possui, como um simples objeto. O ato de pudor é, no fundo, um pedido de reconhecimento, como se disséssemos: “Não me tomes pelo que de mim vês descoberto; toma-me como a pessoa que sou”.

A compostura

Uma vez que o pudor e a vergonha ensinam o limite entre o decente e o indecente, podemos perguntar de que modo se dá a presença do belo na pessoa. A resposta dá título a estas páginas: compostura e elegância. O objeto da elegância é a presença do belo na figura, nos atos e movimentos, ou melhor, a manutenção ativa dessa presença, aquela obra de arrumação e compostura que faz a pessoa, não apenas digna, mas bela e formosa diante de si e dos outros.

Para explicar essa idéia, proponho ao leitor uma distinção entre duas “elegâncias”: uma tem um sentido negativo, e quer apenas preservar do vergonhoso. É a que chamarei de compostura. A outra é a elegância “de verdade”, plena de sentido positivo, que inclusive poderia ser definida como a beleza pessoal.

A compostura é o sentido negativo da elegância, pois quer garantir a ausência de feiúra na figura e conduta pessoais. Essa atitude humana foi considerada pelos clássicos como uma virtude “menor” que chamaram de “modéstia”.

A compostura supõe em primeiro lugar a limpeza. Em segundo lugar, vem a pulcritude, que é o asseio cuidadoso, o cuidado com a própria presença. Em terceiro lugar, compostura é ordem, um saber estar que não se refere apenas à disposição material de objetos e roupas, mas também mover-se do modo conveniente, no momento adequado e com os gestos adequados. Isso é o decoro, algo assim como a ordem dos gestos e das palavras, sua oportunidade e mesura, sua adequação ao que querem expressar e com o destinatário: decoro é, portanto, boas maneiras.

A educação na elegância começa pelo ensino desses aspectos básicos contidos na compostura. As crianças não fazem idéia da sua importância, mas sem ela não se tornam aptas para ingressar na vida social. É um erro comum julgar tudo isso convenção e artifício hipócrita, quando na verdade constitui a civilização do instinto e da espontaneidade por meio do rito e do costume, algo que constitui a base de toda educação e aprendizado humanos.

Manter a compostura exige cuidado, tempo, arrumação enfim. Isso demanda atenção, esmero consigo mesmo e com a aparência. Se não quisermos parecer desgrenhados, devemos nos cuidar, cortar as unhas, trocar de roupa, estar atentos, evitar as manchas e os mau cheiros. Perder a compostura é uma forma de perder a dignidade. A pessoa descomposta e descuidada se dispersa, e carece da boa auto-estima. A pessoa composta, pelo contrário tem um centro que reúne o disperso, uma regra que mede e ordena, um sossego nascido da posse de si.

A elegância

A compostura limita-se a cuidar para que “não saiamos do tom”. É preciso algo mais para chegarmos a ser elegantes: ser atraentes, ou ao menos parecer atraentes, desenvolver o gosto e o estilo, alcançar a distinção

A maneira mais prática de compreender um pouco do que significa ser elegantes é analisar os requisitos ou conteúdos dessa rara qualidade que todos gostaríamos ter. O aspecto mais imediato e obvio é que ser elegante significa ter bom gosto.

Mas o que é o bom gosto? É uma capacidade de discernimento que nos leva a reconhecer que algo é belo, não apenas em si, mas num determinado contexto. Só podemos dizer “isso é bonito”, ou “isso é feio” se esse “isso” (um vestido, um penteado ou um jardim) se refere a um todo diante do qual o objeto julgado fica “iluminado” e é descoberto como “adequado” ou “inadequado”. O bom gosto é, pois, “um modo de conhecer”, um certo senso da beleza ou feiúra das coisas. Não se aplica apenas à natureza ou à arte, mas a todo o âmbito dos costumes, conveniências, condutas e obras humanas, e inclusive às pessoas. Não é inato. Depende do cultivo espiritual, da educação e da sensibilidade que cada um adquiriu.

Felizmente, não existe uma regra fixa que determine que é de bom ou mau gosto. O que sabemos é que o bom gosto mantém a mesura, a ordem, até dentro da moda, que leva à excelência, sem seguir cegamente as suas exigências voláteis, mas encontrando nela uma maneira de manter o estilo pessoal.

A idéia do bom gosto nos leva à segunda nota da elegância: a distinção. Distinto é aquele que sobressai, que é altivo, senhorial. A pessoa humana tende a mover-se para o alto: gosta de voar, sonhar, subir, livrar-se do peso da matéria e sentir-se etérea e espiritual, desapegada, livre enfim. A distinção situa a pessoa humana acima da vulgaridade e dentro do senhorio.

Quando a pessoa dispõe sua aparência exterior com ordem e bom gosto, está bela. Claro que algumas pessoas têm uma beleza natural, física, que não precisa de cuidados para ser elegante. Tais pessoas, se tiverem bom gosto e forem elegantes, podem chegar a sublimar a sua já natural beleza até um esplendor que outros nunca alcançarão.

É essencial lembrar que a beleza significa em primeiro lugar harmonia e proporção das partes dentro do todo, sejam as partes do corpo, das roupas, da linguagem ou do comportamento.

A elegância envolve todo o ser da pessoa. Assim, se ser elegante significa ser inteiramente belo, não nos podemos limitar somente à aparência. É forçoso incluir tudo aquilo que a pessoa é e manifesta. Essa é a idéia grega: as ações belas, elegantes, são as que realizamos abandonando o interesse próprio em busca daquilo que é valioso em si, que tem caráter de fim. São os bens autênticos, que realmente nos importam porque não nos fazem apenas felizes, mas bons. Para os clássicos o belo, pulchrum, é o bom, aquilo que convém ao homem e o aperfeiçoa. Por isso, a pessoa que vive em harmonia consigo própria, se auto-domina, empreende a busca do bem mais alto e árduo, não é simplesmente boa, mas tem uma bondade bela.

A elegância revela assim a sua dimensão moral: quem não sabe o que quer e não age como deve, quem vive em discórdia consigo próprio e com os outros, quem não conhece a serenidade e a mesura em seus desejos e ações, quem é indiferente à realidade que o rodeia, quem não reproduz dentro de si, na sua vontade, afetos e inteligência, a ordem geral do universo e do ser próprio, é alguém que não pode ser elegante porque não é bom, nem senhor de si.

A beleza humana não é apenas física, mas também moral. Só que a beleza física, também ela parte da elegância, não é algo simplesmente natural. Estaria incompleta se o vestido, o adorno e a proporção não a completassem. O cenário principal da elegância, a sua matéria por assim dizer, é o embelezamento da compostura. E esse embelezamento pode ser atingido com cumprimento da tarefa imprescindível de cuidar de si mesmo: a escolha das roupas, a ornamentação corporal, as maneiras distintas, a “forma bela de expressar os pensamentos”, o modo de mover-se, a forma e expressão de cada gesto, etc. A elegância está na bela composição de tudo isso.

Essa bela composição é o cenário em que outro componente da elegância pode aparecer: a arte e o estilo pessoais, que são a expressão exterior da própria pessoalidade e gosto. Uma pessoa elegante tem “estilo” próprio, sabe dispor as coisas com distinção, cria a seu redor um âmbito cuidado e agradável, embelezado; ao mesmo tempo, deixa transparecer um bom gosto característico naquilo que faz. A elegância converte-se então num leito por onde corre a expressão da pessoalidade e criatividade de cada um, num desafio à monotonia e à uniformidade.

Devemos acrescentar aqui uma observação que nos poderia levar muito longe: por que o ornato, o adorno, e não apenas a arrumação e a compostura? Adornar é uma necessidade e um costume humano que não corresponde à mania, ou à simples conveniência de tapar o que está nu ou vazio. Tem mais a ver com a idéia de festejar. Um vestido de casamento pode servir de exemplo. Trata-se de um vestido extraordinário, superabundante, luxuoso até, simbólico. Opera uma transformação na noiva. E a acompanha, a reveste de uma atmosfera solene e festiva ao mesmo tempo em que significa e realiza a sua condição nupcial. Nota-se aqui como o adorno, o adereço externo, cumpre essa dupla função de acompanhar e significar aquilo que a situação pede. Ocasiões desse tipo têm exigências e conveniências que o ornato e a figura da pessoa devem refletir, preceder e acompanhar. Pois bem: a elegância preside esse “estar à altura” que acontece nas ocasiões festivas como adorno e compostura da pessoa.

Toda a imensa capacidade humana de adornar (braceletes, anéis, colares, pinturas, telas, trajes e utensílios de festa) está a serviço da representação que torna visível e presente aquilo que não é imediatamente presente: o júbilo, a dignidade, a veneração, a gratidão, a lembrança e a comemoração.

A elegância encontra o seu âmbito mais pleno na festa e nas ações representativas e simbólicas que se dão nela de modo natural. Nas festas, as pessoas transformam-se, ficam belas e elegantes, põe-se à altura do acontecimento, e sua capacidade criadora tem ocasião de brilhar e de transbordar. E é neste ponto que surge o perigo de confundir elegância com simples aparência. É preciso ter em mente a última característica da elegância: ela só é verdadeira quando não vem acompanhada de afetação e fingimento, mas expressa-se com espontaneidade e autenticidade. Isso se chama naturalidade, mostrar-nos como somos, de modo que aquilo que aparece corresponda ao fundo e à interioridade verdadeiras. A verdadeira beleza é sempre portadora de naturalidade. Atuar espontânea e moderadamente, com gosto e estilo pessoais que mostram na pessoa uma beleza possuída desde o interior de si mesmo: isso é ser elegante.

Quem ama sua dignidade cuida da sua elegância. E assim, o cuidado da própria aparência acrescenta à pessoa o quê de beleza que a faz amável e atraente. É uma preparação para o encontro com os outros, uma busca pela nobreza humana do conviver, a criação de um âmbito que está para além da pura utilidade: a apresentação alegre e festiva da pessoa. Ser elegantes consiste em saber encontrar sempre motivos para expressar a alegria por meio do adorno.

Era isso o que queria dizer, amigo leitor. Se o homem fala, não apenas com as suas palavras, mas também com a sua expressão, com o seu gesto, com a sua figura, dizer as coisas belamente não é apenas bom, mas desejável. Ao fazê-lo dignificamo-nos como pessoas e elevamos ao nível do verdadeiramente humano a comunidade de vida que temos com os outros.


Fonte: Centro Educativo Volare - www.volare.org.br

Blog Educar é ajudar a crescer - evandrofaustino.blogspot.com.br

Publicado no Portal da Família em 02/04/2015

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