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Avós podem muito

Evaristo Eduardo de Miranda e Liana John (*)

Perguntaram a Sofia, uma menina especial de nove anos, o que ela gostaria de ser quando crescesse. Ela respondeu: - Eu gostaria de ser avó ! Ao ser interrogada sobre o porquê dessa idéia, ela completou: - Porque as avós escutam, compreendem. E além do mais, a família se reúne inteirinha na casa deles. Os avós podem muito quando um casal tem um filho deficiente, mas nem sempre recebem a devida atenção, nem lhes são dadas as oportunidades adequadas para manifestar seus dons.

A revista trimestral francesa Sombra e Luz (Ombres et Lumières), de inspiração cristã e dedicada as pessoas especiais e seus familiares e amigos, editou recentemente um número (116) dedicado ao papel dos avós junto as famílias que têm filhos especiais. A questão foi tratada sob diversos pontos de vista, sempre destacando a valiosa presença dos avós nesses casos.

Trata-se de uma reflexão muito rica. Na França existe, até, um serviço de orientação psicológica específico para os avós, cujos filhos tiveram uma criança trissômica. Neste artigo apresentamos - à luz de nossa experiência - um resumo de alguns dos temas e assuntos abordados na revista, especialmente dos artigos da Dra. Marie-Odile Réthoré, colaboradora e continuadora do trabalho do Professor Lejeune, no Instituto de Progênese em Paris, entre outros.

Sob o impacto da notícia

Diante de um diagnóstico pré ou pós natal de síndrome de Down, freqüentemente os jovens pais se confiam aos seus pais, buscando um reconforto afetivo, uma escuta atenta e, de certa forma, a referência de valores que banharam suas infâncias.

Se a pressão da área médica ou de outras pessoas é muito forte em favor de um aborto, o diálogo entre mãe e filha pode ter um papel considerável - num sentido ou no outro - mesmo se a decisão final é do casal.

Quando a criança nasce, os avós tendem a envolver o jovem casal e o bebê de uma presença afetiva reforçada. Mas não se pode esquecer que eles sofrem também a prova moral e espiritual, intolerável, ao ver esse pequeno ser inocente e sem defesa, atingido física e mentalmente. Ao anunciar o fato, os pais deveriam ressaltar a chegada do neto, da neta, que tem nome, que é uma pessoa única e querida, e não apresentar aos avós uma anomalia genética.

Para os avós, o nascimento de um bebê com trissomia pode romper uma série de sonhos familiares, de continuidade, de fertilidade, de linhagem e de patrimônio familiar. Os avós vêm seus filhos e filhas desesperados, desestabilizados, revoltados e muitas vezes se sentem impotentes, inúteis. Temem pelo futuro de suas famílias.

Alguns perdem a coragem de fazer perguntas sobre o assunto ou de propor aos filhos seus serviços. Temem ser indiscretos, reavivar uma ferida, complicar a vida do casal, já tão complicada! Mesmo nas visitas a terapeutas, é comum os avós segurarem as crianças no colo, as distraírem para que os pais possam falar livremente, mas eles não formulam uma só pergunta. Escutam, discretamente. Quanta coisa gostariam de perguntar, quantas respostas desejariam ouvir, mas os avós ficam em silêncio.

Muitos esperam ser chamados para ajudar o casal de alguma forma, e quando nada vêm, eles se voltam sobre si mesmos, angustiados, muitas vezes com mágoa, remorso e até rancor. Desenvolvem um sentimento de inutilidade, de não servir mais para nada.

Outros sentem que se tornam um peso ainda maior na vida dos filhos, agora com outro, pesadíssimo, para carregar. Ocultam seus problemas de saúde, financeiros, psicológicos... beirando a irresponsabilidade. Falam menos de si e saem de cena para, pretensamente, não sobrecarregar os filhos.

Outros ainda se preocupam sobre o futuro equilíbrio do casal, receiam uma separação, temem pelos outros netos... chegam a desejar ou sugerir que o bebê seja encaminhado para alguma instituição especializada.

Alguns poucos avós vivem processos de rejeição profunda. Sem contato com a criança, sem vê-la, sem acariciá-la, se limitam a reconhecer que são avós de uma patologia e não de uma pessoa. Tomam distância. Como dizia um avô: "Suas explicações são boas, podem chamar isso como vocês quiserem, mas essas crianças são uma calamidade". Alguns declaram que aquela criança não é sua neta!

Convocados para ajudar

Os excessos dos avós podem ocorrer. Tanto no sentido de uma superproteção intervencionista, como num distanciamento demasiado, até por timidez. Nisso os pais podem atuar, de forma recompensadora.

É dever dos pais de lhes indicar livros, revistas e artigos que possam esclarecê-los, ajudá-los... inclusive leituras que os pais não tiveram tempo de ler. Que eles informem os próprios pais sobre determinado assunto. Que eles encontrem por si mesmos respostas para muitas perguntas.

É extremamente válido receber a criança em casa, se os avós se sentem capazes. De lhes propor, com delicadeza, de segurar a criança... e se organizar do ponto de vista prático para que os avós possam ficar um pouco com a criança, ajudando e participando de pequenas atividades.

Os pais devem poder contar com os avós, com sua experiência de vida e do sofrimento e sobretudo com sua capacidade de abrir um grande coração para essas crianças deficientes, que nunca os esquecerão. É comum o jovem trissômico lembrar e rir das histórias que lhe contavam os avós, até em sua idade adulta. É freqüente também que o jovem ou a jovem trissômica possa ajudá-los, fazendo e levando compras para eles ou com eles e colaborando em pequenas tarefas.

Para as crianças especiais, a morte dos avós é extremamente dolorosa e, em geral, a primeira experiência com essa dura realidade. Esse tema e essa passagem também devem ser preparados no caso das crianças especiais. Aliás, todos devem se preparar, já que face ao mistério da morte, eles não são mais deficientes do que nós.

Outro aspecto diz respeito aos irmãos, primos... a chamada fratria. Não é fácil ter um irmão ou primo deficiente. Muitos meninos e meninas não ousam fazer determinados comentários aos pais. Eles tem ciúmes e vergonha... É muito mais fácil falar de tudo isso, ao longo de um passeio sozinho, com o avô ou jantando a boa comida da avó.

Se o sofrimento dos avós é grande, também é imensa sua paciência e sua ternura. Eles já amaram tanto e sofreram tanto que saberão encontrar, no dia a dia, a força da palavra e do gesto que torna possível o compartilhar.

Nós conhecemos casos de avós que suprem, material e educativamente, as crianças trissômicas, devido ao desaparecimento dos pais, a separação do casal ou mesmo dada a extrema juventude da mãe. No Brasil, esse papel pode assumir uma importância decisiva para o futuro da criança.

No plano espiritual, os casos de presença supletiva dos avós são muito mais freqüentes, mesmo se isso supõem uma "neutralidade atenta" dos pais. São os avós que ajudam a criança especial (e as outras) nos seus passos intuitivos na busca de Deus. São eles quem lhes ensinam as primeiras orações, lhes contam histórias sagradas e os levam nas missas, cultos etc.

Entre um intervencionismo desequilibrado e uma discrição excessiva, a maioria dos avós se deixa guiar pela "inteligência do coração". Mas eles desejam - mais ou menos conscientemente - serem ajudados e guiados nessa estrada difícil. Eles gostariam de encontrar outros avós de crianças deficientes, assim como os pais o fazem... Tudo para ajudar melhor essa pequena criança, que não é de sua responsabilidade, mas que eles amam tanto! Os pais podem - com jeitinho - proporcionar essas ocasiões.

Escutar, compreender e reunir

Mesmo nas situações em que há pouco a fazer, os avós podem muito. Ao acompanhar casos gravíssimos de cardiopatias ou leucemia, nos momentos em que qualquer ação parece impossível, são os avós que rezam. A eles são pedidas orações. Os avós são intercessores maravilhosos junto a Deus. E "a misericórdia de Deus se estende sobre os filhos dos seus filhos" (Salmos 102, 17).

Ao desejar ser avó, Sofia resumiu perfeitamente três das principais capacidades dos avós: escutar, compreender e reunir. Os avós escutam. Eles têm tempo. Se aposentados, seu ritmo de vida diminui. Enquanto pai e mãe trabalham, os avós estão disponíveis. O pai e a mãe levam os filhos para escola correndo, avisando que estão atrasados, pedindo para andarem logo... Com os avós, eles caminham tranqüilamente. Seus passos estão harmonizados. Uma das graças dos avós, ao acolher nossas crianças, é a de lhes dedicar um tempo de admiração, maravilhamento... Eles saboreiam as perguntas das crianças, compartilham suas pequenas alegrias, ouvem suas queixas e tristezas, mágoas e injustiças...

Os avós compreendem. A discrição dos avós é capaz de guardar os segredos dos adolescentes, as aventuras dos jovens, suas confidências dolorosas... muitas vezes negadas aos ouvidos dos pais. Os pais são a lei, os avós são o sonho. Eles são freqüentemente um espaço de tolerância e aceitação, capazes de compreender tudo e todos.

E finalmente, os avós reúnem a família. Suas casas são locais encantados onde ocorrem as celebrações natalinas, a Páscoa, as passagens de ano... lugares onde se saboreiam pratos diferentes. Hoje em dia, essas reuniões se tornam mais raras e difíceis, com as famílias nucleares e seus infinitos afazeres. Mas a família ampla é um dom, permite a criança especial de tomar consciência de suas raízes, de participar de uma memória comum, de uma herança de gerações. Essa experiência convida a ampliar a vida comunitária, a solidariedade nas dificuldades e passagens difíceis. Os avós tem essa graça de manterem - até onde é possível - os laços familiares. Às vezes só se percebe isso, quando eles não estão mais aqui. Mas o vivido na infância, na casa dos avós, é uma marca para o resto da vida.

É evidente que nenhuma generalização é possível. Existem avós isolados em clínicas e casas de geriatria. Existem avós sem condições físicas ou psicológicas de participar da vida dos filhos e netos. Existem avós isolados e segregados. Mas para a maioria deles, escutar, compreender e ser um traço de união parece uma agradável missão. Eles não podem, nem devem, ser marginalizados das informações e da convivência com os netos especiais. Os avós vão buscar - e entregam às nossas crianças especiais- tesouros que eles não possuem! A força do amor e do desejo são de um infinito poder. Ao contrário do que alguns pais pensam, os avós podem muito.

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(*) Dr. Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em ecologia, professor da USP, pesquisador do Núcleo de Monitoramento Ambiental da EMBRAPA, conselheiro da Fundação Síndrome de Down e autor dos livros "Água, Sopro e Luz - Alquimia do Batismo" e "Agora e na Hora - Ritos de passagem à Eternidade" (Ed. Loyola). É conselheiro do site http://www.ecof.org.br

mir@cnpm.embrapa.br

Liana John é jornalista profissional desde fevereiro de 1977, tendo se especializado em Ciência e Meio Ambiente a partir de 1983. Assumiu o posto de "repórter Internet" da Agência Estado em 1995.

lj@agest.ecof.org.br

Extraído do site: Ecoforça (www.ecof.org.br)
A ECOFORÇA, uma instituição não governamental, sem fins lucrativos ou vínculos partidários, tem por objetivo pesquisar e difundir conhecimentos técnico-científicos e logístico-operacionais nas áreas de ecologia operacional, avaliação de impacto ambiental e desenvolvimento comunitário. A ECOFORÇA atua através de dezenas de ações de pesquisa, educação e prestação de serviços à comunidade.

 



Os pais devem poder contar com os avós, com sua experiência de vida e do sofrimento e sobretudo com sua capacidade de abrir um grande coração para essas crianças deficientes, que nunca os esquecerão

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