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Notas sobre o aborto e a sociedade permissiva

A acreditar nas estatísticas da Organização Mundial da Saúde, ocorrem no Brasil mais de dois milhões de abortos provocados, o que equivaleria praticamente ao número de nascimentos.

Curiosamente, esta comprovação não suscita nenhum movimento expressivo em favor da vida, mas pelo contrário exaspera certos ânimos no sentido de que se despenalize essa prática clandestina. Ao mesmo tempo em que se luta contra a mortalidade infantil, pede-se a legalização do aborto. A que se deve semelhante disparidade ?

Se, há alguns anos, mal se podia obter uma anuência relutante dos partidários do aborto mostrando-lhes que o feto devia ser protegido ao menos como expectativa de vida, hoje, graças aos avanços da embriologia, não há quem discuta que o feto é desde o momento exato da fecundação um ser humano. Por que então a incoerência?

Indo diretamente ao fundo das coisas, pode-se dizer que a bandeira pró-abortista não passa de um corolário-limite do movimento de emancipação da mulher. A reivindicação da plena igualdade do homem e da mulher havia de acabar levando a que esta quisesse usar do sexo sem olhar a conseqüências. Daí a defesa dos anticoncepcionais e, como garantia última, a tese da legalização do aborto.

Não adiantava esclarecer que o feto não pode ser considerado parte do corpo da mãe, suscetível de ser eliminado como se elimina uma verruga no rosto. Não adiantava mostrar que esse ser humano é, desde as primeiras horas, absolutamente independente da mãe, que é ele quem comanda o seu próprio desenvolvimento, e mais: que é ele quem dá as ordens à mãe. Também não adiantava fazer ver que o concebido, como diz o Prof. Jerôme Lejeune, se aloja no seio materno como o cosmonauta na sua cápsula espacial: sem esta morreria, mas nem por isso cabe na cabeça de ninguém dizer que é a nave espacial que cria o cosmonauta.

Assistiu-se então ao desfilar de opiniões ao desbarato, oriundas de figuras femininas notáveis nos mass-media, que se erigiam em mestras de direitos humanos para proclamarem que o direito humano era delas, não do filho gerado (Folha de S. Paulo, 07.06.84). Como é que uma artista de cinema podia deixar crescer o tumor, se com isso iria prejudicar as filmagens? (Isto é, 21.09.83, pág. 39). E por aí afora.

Mas como em ninguém fica bem o egoísmo cruel, vinha a pincelada da reivindicação social: quem mais sofre com a penalização do aborto são as mães de condição modesta que, não podendo recorrer aos serviços médicos do Estado, caem nas mãos da clandestinidade e correm forte risco de vida, como se demonstra pelos 400.000 casos anuais de atendimento médico no país em conseqüência de abortos mal feitos. As mulheres ricas vinham assim em ajuda das mulheres pobres, e reclamavam para estas o mesmo que uma delas dizia ter tido para os seus dezesseis abortos, com todos os meios à sua disposição (Isto é, 21.09.83).

É de mencionar a cobertura que deram a esta reivindicação certos órgãos de imprensa, não só porque numa imprensa livre é de bom tom tudo referir e debater e, aliás, não é com bons sentimentos que se faz bom noticiário, mas também porque por trás estava o lobby do comércio do sexo, empenhado na liberação sexual e nas suas práticas descartáveis.

Mas está também o interesse do Estado. Quando se vê que o esboço do texto constitucional ora em estudo (* esse artigo foi escrito em 1987) não se atreveu a inserir um preceito claro protegendo a vida a partir da concepção, fica-se a pensar o que realmente pretenderão as forças que atuam na configuração futura de uma sociedade que se quer mais humana. Não sabem elas que o primeiro dos direitos humanos, a fonte de todos os demais, é o direito à vida? Sabem, sim, mas não é nada mau deixar as mãos livres ao legislador ordinário para que, consoante as circunstâncias, possa socorrer-se do aborto como meio de controle da natalidade. Mais um, o meio extremo, mas estatisticamente de peso extraordinário.

Duas coisas entre tantas, brutalmente elementares, ressaltam no jogo mais consciente ou menos consciente da luta pró-aborto: o nivelamento dos valores humanos por baixo e a miopia na condução da coisa pública.

Quando as feministas reclamam plena igualdade sexual com o homem e, como se lê em artigo publicado na Folha de S. Paulo (cad. Mulher, 26.06.84, pág. 11), "colocam a questão do aborto como essencial ao movimento de emancipação da mulher das suas amarras patriarcais e da exploração tradicional do seu papel de reprodutoras", o que fazem é dar por boa uma visão da sexualidade que degrada quem a aceita, seja homem, seja mulher.

Sabe-se que o sexo, se quiser ser um valor humano, tem que ser manifestação do amor interpessoal, coisa de que os animais não são capazes, e há de estar aberto à vida, com toda a carga de responsabilidades que suscita, tanto para a mulher como para o homem. Não se pode evitar a impressão clara de que, ao pretenderem equiparar-se ao homem no uso insolidário do sexo, as mulheres querem para elas a mesma dignidade do homem-animal. Com isso, não somente contrariam as leis da natureza, de que deriva o equilíbrio racional dos indivíduos e da sociedade, mas ambicionam a sua própria destruição, antes de mais nada pelo trauma do aborto, e depois pelo aniquilamento da feminilidade, magnificamente associada ao mistério da maternidade. Não há dúvida de que é um nivelamento por baixo.

Mas desce-se ainda mais e eleva-se a categoria de raciocínio válido a idéia de que, se o aborto é uma prática generalizada, deve ser legalizado. Já se tem feito ver, sem necessidade de chegar a precisões filosóficas ou sociológicas, que, nesse caso, se deveria proceder do mesmo modo com tantas outras mazelas da nossa conjuntura histórica. Se vêm aumentando os crimes, os roubos à mão armada, a corrupção dos "colarinhos brancos", por que não proteger esses direitos humanos e dar-lhes o amparo da lei? Outra vez o nivelamento por baixo.

Miopia

Mas o outro aspecto não é menos assustador: a visão míope dos responsáveis na condução da coisa pública. O Estado deixou de ser, em amplas parcelas, o elemento ordenador da sociedade, aquele que a chama à razão em nome do bem de todos, incumbido de canalizar e potenciar as verdadeiras forças e aspirações do corpo social, para ser apenas o cúmplice e o instrumento todo-poderoso desse nivelamento por baixo.

Numa sociedade de consumo, a pessoa se vê tão dominada pelo individualismo mais selvagem que não se importa de lançar-se nos braços do estatismo mais asfixiante para garantir uma liberdade sem responsabilidade. Paradoxalmente, é o liberalismo mais cego que reclama a manipulação do Estado no que há de mais íntimo ao homem: o direito a ser respeitado, sem pressões nem injunções, nos seus modos de ser pessoa. É evidente que, invadida a autonomia da família pelo Estado, quase nada mais escapará à sua ação. Não se demorará a pedir que o Estado suprima seres humanos em atenção a critérios eugenésicos, que se chegue à eutanásia para eliminar seres não produtivos. Há Estados que hoje trilham os mesmos caminhos nazistas, com a agravante de que o fazem em nome e em defesa da liberdade individual.

A miopia salta aos olhos. Um Estado inclinado a favorecer a prática das técnicas anticoncepcionais e a calar perante o aborto ou a abrir-lhe uma pequena fresta legal, tenta melhorar a renda por cabeça diminuindo o número de cabeças pelas quais dividir o produto nacional bruto. É uma solução de curto alcance, de quem empurra os problemas com a barriga, pois não há dúvida de que, em prazo não superior a duas gerações, estarão criadas todas as condições para uma população decrescente e envelhecida. Não faltam experiências históricas e dos nossos dias que o atestam.

O imediatismo leva a procurar panacéias. A visão de Estado leva a implantar soluções. E sabe-se que a alavanca da solução sempre esteve num crescimento racional da população. Onde há uma boca que come há dois braços que trabalham, e onde há uma população jovem em demanda de trabalho há um estímulo para os investimentos e há um frêmito de criatividade.

Essa miopia torna-se aflitiva em toda a questão mais abrangente da expansão sadia da família, célula de uma sociedade em que os valores humanos não se hão de impor de cima para baixo, mas devem surgir da autenticidade das consciências. E não se trata de uma utopia.

O ser humano nasce de uns pais, tem direito a uma família unida, baseada no respeito à vida e no esmero com os filhos realmente desejados. Sem as estridências do consumismo, sem as angústias da escassez. Cabe aos governantes propiciar às famílias esse ar respirável, orientando o desenvolvimento econômico do país para níveis mínimos de desafogo. Mas cabe-lhe antes mudar o clima antifamília e antinatalidade que domina as mentalidades na geração do egoísmo.

De pouco serve os responsáveis obcecarem-se com o problema econômico se paralelamente sustentam o direito à dissolução do vínculo conjugal quantas vezes se quiser e por que motivo for, se equiparam sem a menor ressalva o matrimônio legítimo ao concubinato, se fazem alarde de uma campanha que tem por base a rejeição social do filho, não só mediante uma informação indiscriminada sobre os métodos do controle da natalidade, como pela inexistência de facilidades para as famílias numerosas ou das que ao menos estejam acima do crescimento zero. Não há dúvida de que se trata de uma situação de miopia, que a seu tempo terá de pagar o seu preço. Com a diferença de que não se resgata uma situação de descaso pela família e de repulsa ao filho com a facilidade com que se implanta.

Na última parte do livro Aborto e Sociedade Permissiva (Editora Quadrante, 1987), o prof. Walter Moraes apresenta um pequeno elenco de medidas, detendo-se sobretudo na adoção, capazes de oferecer opções válidas para a pura eliminação do feto. São medidas que, com variantes, são reclamadas dos órgãos legislativos e governamentais em todos os países.

A par dessas medidas específicas, impõe-se porém todo um clima de favorecimento dos valores da vida, próximos e remotos: condignos salários-família, alojamento, transportes, serviços médicos, acesso à educação, e uma vigilância responsável pelo nível humano do caudal de informações e entretenimentos, sem receio de se cair no controle ideológico, mas resgatando esses meios de comunicação do patológico e do nivelamento por baixo.

O caso do aborto é, hoje em dia, um caso-limite. Mas é bom que vivamos uma época em que o nível de dignidade humana claramente retrocedeu em alguns pontos vitais, sob o argumento de defendê-la. Precisamente por isso, porque não se pode descer mais baixo, talvez seja a oportunidade de recomeçar a subir. Tudo está a exigir dos responsáveis que elevem as suas miras para espaços verdadeiramente humanos, até os ares puros da visão racional e audaz da condição humana no seu devir histórico.

Fonte: Extraído da nota editorial do livro Aborto e Sociedade Permissiva, de Pedro-Juan Viladrich, 1a Edição, Editora Quadrante, São Paulo, 1987



A questão do aborto e da sua legislação situa-se hoje no centro de um debate apaixonado, que além das discussões médicas e legais envolve as bases da moral e da sociedade.



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