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Mães em Londres

Inês Rodrigues
ines_rodrigues@hotmail.com


Há três semanas ela queria ir ao centro da cidade, mas não parava de chover. As ruas se impregnavam de cheiros úmidos e desolados. As pessoas tinham uma cor amarelo-esverdeada pela falta de sol. Nos rostos, a temível mistura de mau humor e impaciência. Londres pode ser assim por meses a fio. Há invernos maus e razoáveis. Os últimos têm mais sol. Aquele era um mau inverno, quando não se vê o azul do céu por dias seguidos. Por força do tempo cinza-chumbo, ela logo descobriu que os carrinhos de bebê já saem da loja acompanhados de um plástico apropriado para cobrir a criança e seus pertences dos pés à cabeça. Encantada com a novidade e cansada de ver a vida pela janela, começou a vislumbrar a tal ida ao centro mesmo debaixo do aguaceiro. No dia planejado acordou cedo, estudou os mapas, preparou uma grande bolsa impermeável e respirou fundo. A aventura estava em marcha.

O primeiro choque foi no metrô. As linhas mais novas têm elevadores de vidro para os que levam carrinhos de bebê e vagões com espaço extra. Mas as mais antigas, no centro, castigadas pelos sapatos dos turistas e executivos apressados, são um emaranhado de corredores apertados e escadarias sem fim, sempre apinhadas. Acostumada à gentileza ou à piedade de alguns passageiros que sempre oferecem ajuda para levar o carrinho pelas escadas, ela imaginou que poderia contar com essa mãozinha. Mas, na estação, era invisível com o seu fardo, suando para alcançar os degraus lá de cima. Mulheres magras, vestindo paletós Armani e com lap tops na bolsa, passavam por ela. O carrinho de cores berrantes com o plástico na capota nunca pareceu tão grande. "Ainda bem que vim de tênis", pensou.

Ao chegar à rua sorriu, apesar do cansaço. Olhou em volta. As pessoas continuavam a ir e vir como num filme em avanço rápido, sem ao menos levantar os olhos. Mas estava, enfim, em Convent Garden. O plano era recompor-se, caminhar, fazer compras e depois comer num restaurante. A chuva cessara, que sorte! Mágicos, músicos e malabaristas faziam seus espetáculos na praça para turistas curiosos e moradores indiferentes. Mas, como os pingos vão e vêm a cada minuto, logo voltou a cair água. Mudança nos planos, hora de comer.

Parou à porta de um café com letreiros coloridos. Mesas jaziam ensopadas na calçada lembrando um verão distante. Lá dentro havia paredes terracota, flores nas mesas, cadeiras estofadas. Já não era sem tempo, a chuva aumentava. Abriu a porta e, com dificuldade, pôs-se a manobrar o carrinho para vencer os degraus da entradinha. Chamou a atenção de um jovem, que saiu correndo dos fundos do restaurante. "Finalmente alguém para segurar a porta enquanto eu entro", pensou.

- Minha senhora, infelizmente não aceitamos crianças no restaurante. Sorry.

Disse isso como se estivesse dando-lhe um prêmio, tal a deferência e gentileza. Sorrindo e cheio de mesuras precisas, ajudou-a com as rodinhas porta afora. Meio zonza, sem entender muito bem o motivo da rejeição, ela resolveu não argumentar. As regras mudam de lugar para lugar, melhor entendê-las antes de protestar. Sempre agia assim, tímida. Não sabia se por respeito às regras alheias ou se por vergonha de brigar e perder a batalha, ensopada e em campo inimigo.

Ela só não contava que aquela não seria a única expulsão do dia. Comer sem crianças por perto parecia ser a lei. Outros dois restaurantes recusaram-se a admiti-la junto ao menino adormecido no carrinho à prova d'água. Cansada e com frio, acabou optando por um asséptico Pizza Hut. Sentada em meio à multidão de turistas na mesinha minúscula, entre uma e outra mordida na pizza de pepperoni, olhava o filho. As bochechas rosadas e o corpinho dentro do macacão branco começavam a se mexer, ele despertava. Sem ter cumprido metade do programa, ela sentia-se exausta e desamparada. Saudades da casa aquecida e da TV ligada. "Amanhã, filho, se não chover, vamos dar uma voltinha no parquinho do bairro, tá bom?"

 

Inês Rodrigues é jornalista e reside em Londres.

 


 

 

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