logotipo Portal da Familia

Portal da Família
Início Família Pais Filhos Avós Cidadania
Vídeos Painel Notícias Links Vida Colunistas
 

Ines Rodrigues

Coluna "Do lado de cá"

Castanhas

Inês Rodrigues


Elas chegam com o outono e duram pouco, cerca de um mês. Nos parques e ruas, as folhas das árvores amarelam de repente e caem às centenas, embaladas pelo vento. Então, as castanhas começam a despencar, fazendo um barulho seco ao bater no chão. Ploc, ploc.


Agressivas, atingem, às vezes, a cabeça de algum desavisado e não se rendem com facilidade. Vêm encapsuladas em bolinhas duras, esverdeadas, que parecem um porco-espinho em miniatura. Ai de quem tenta abrir a casca com as mãos! Os apressados acabam com os dedos feridos. É preciso esperar até que o capacete espinhoso comece a ceder, mostrando de fininho o tesouro. Dá para ver a pontinha das castanhas querendo sair. O ideal é abrir o resto da casca com a sola do sapato, usando um pé como apoio, segurando um lado da fruta, e outro como esfregão, até que elas saltem lá de dentro. E assim, em outubro e novembro está aberta a temporada de caça às castanhas pelos parques de Londres.

As crianças são as primeiras a se alvoroçar com o novo passatempo. É frio demais para ir ao playground, a balança e o escorregador estão quase sempre úmidos, com camadas finas de gelo. Melhor brincar com outra coisa. Os grupos de meninos ficam embaixo das árvores, esperando o vento derrubar mais e mais bolotas espinhudas. A técnica para abrir a casca é aprendida desde cedo. Alguns colocam as castanhas em baldinhos, outros atiram-nas nos amigos.

Pela manhã, os velhinhos que fazem a caminhada diária com seus cachorros já saem com duas sacolinhas. A primeira é essencial durante o ano todo, serve para recolher o cocô do bichinho. Cocô no meio do parque, multa na certa! A cena é clássica: o cão fareja, fareja, encontra um lugar ideal e começa a fazer ali seu depósito. Normalmente bem no meio daquela alameda onde uma multidão está circulando. O dono espera ao lado, fingindo que não é com ele, cara de paisagem. Assim que o objeto malcheiroso se materializa é hora de agir rapidamente: enfia-se a mão no saco, recolhe-se a coisa e, invertendo o lado do plástico, dá-se um nó apertado na boca. Sem, lógico, tocar no cocô. Depois é ir rapidinho para a lata de lixo mais próxima e ficar livre do vexame. Resta, então, o segundo saco, o das castanhas.

Com o cachorro aliviado é fácil procurar as árvores mais carregadas. Embaixo delas, um tapete de bolotas verdolengas ou amareladas. Os adultos são mais meticulosos e procuram pacientemente pelas castanhas já abertas. E assim vão, de árvore em árvore durante toda a manhã. Saem do parque como se saíssem do armazém.

Uma senhora chinesa percorria o circuito das castanheiras todos os dias. Era miúda, usava sempre as mesmas calças de lã preta, camiseta e cardigã muito surrados. Chegava sempre com duas sacolas e enchia-as até a boca. Desconfio que ela tem uma barraca para vender castanhas assadas em alguma esquina. Ou talvez não tenha muita comida em casa.

Enquanto ficava embaixo das árvores olhando para o chão, conversava consigo mesma em mandarim. Ou será que falava com as castanhas?

Novembro está chegando ao fim e com ele se vai essa divertida colheita comunitária. Quase todas as árvores já estão peladas, fantasmagóricas, os galhos cinzentos espetando a neblina espessa da manhã. E os potes de castanhas no armário aguardam a chegada do Natal.



Inês Rodrigues é jornalista, tradutora e mãe de dois filhos. Atuou nas editorias de artes e música em diversos veículos da imprensa brasileira como Jornal da Tarde, Editora Globo, Rádio Gazeta e Fundação Padre Anchieta. Há 6 anos fora do Brasil, já viveu na Itália e Inglaterra, e atualmente mora em Nova York.

e-mail: ines_rodrigues@hotmail.com


Ver outros artigos da coluna

Divulgue este artigo para outras famílias e amigos.

Inscreva-se no nosso Boletim Eletrônico e seja informado por email sobre as novidades do Portal
www.portaldafamilia.org


Publicidade