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Coluna "Por dentro da dança"

Entendendo a Dança 9

A Renascença

Eliana Caminada

O ballet cortesão foi, portanto, herdeiro do Teatro Religioso Popular Medieval, de seus desfiles de arcos triunfais e cortejos, onde se cantava e dançava a "canzone a ballo". Esses cortejos chegaram aos salões dos ricos comerciantes com o nome de "trionfi", uma tentativa de reproduzir a chegada em triunfo dos antigos imperadores romanos. Revia-se a civilização greco-romana, chegava-se à Renascença, sobretudo em Florença. Uma vez introduzido nos salões o grande baile popular transformou-se num baile menor: o "balletto".

A nova classe social dominante, formada por ricos comerciantes, em lugar de nobres bem nascidos, era produto de um mundo não mais dominado por um teocentrismo milenar, mas um mundo que via o homem como o centro do pensamento e do universo. Criou-se o capitalismo, o sistema de salários, geraram-se figuras brilhantes como São Francisco, Maquiavel, Petrarca, Dante, Giotto, Copérnico, Rafael, Ticiano, Galileu, Michelângelo e da Vinci, entre outros. O céu e a terra estavam agora absolutamente separados; uma clara linha divisória distanciava, de vez, o oriente, com sua arte devocional, do ocidente, e sua arte individualista e secular.

Foi essa nova concepção, mais particularmente florentina, de mundo, bem mais tarde denominada Renascença, que Catarina de Medicis, membro de uma das mais poderosas casas renascentistas, levou para a França ao casar com o futuro rei daquele país, Henrique II. Como parte de seu dote, levou o mordomo e maestro de dança Baldassarino da Belgiojoso, que passou para a história afrancesando o nome para Balthasar de Beaujoyeux [1] .

Beaujoyeux é considerado, historicamente, o coreógrafo do primeiro ballet encenado com esse nome[2] .O pomposo espetáculo estreou em dezembro de 1581 e se denominou "Ballet Comique de la Reine - Ballet Cômico da Rainha"[3] . O tema, mitológico, como aconteceria por mais dois séculos, versava sobre Circe, a feiticeira que possuía o poder de transformar em esfinge quem a olhasse, associada, no caso, à própria Catarina. A clara metáfora do poder real sobre todos os membros do reino e a preocupação de intimidar as demais cortes importantes da época com o luxo e a ostentação da encenação, sinônimo da supremacia econômica da França, realçam o aspecto prático que esteve presente na origem do ballet.

No "Ballet Comique de la Reine" as danças da moda alternavam-se com os versos obedecendo, rigorosamente, a desenhos geométricos que representavam símbolos: o triângulo, por exemplo, simbolizava a Justiça. Essas figuras proporcionavam uma sensação de extrema beleza para os espectadores que, no salão, assistiam ao espetáculo num plano ligeiramente superior. Interpretado pelos próprios nobres da corte, contando ainda com a participação da rainha e de suas damas de honra, o ballet durou, ao todo, mais de cinco horas e custou três milhões e meio de francos.

Dessa data até a criação da Académie Royale de Danse (Academia Real de Dança) em 1661, os ballets de corte, nas suas formas mais pomposas como os "ballets comiques", mais simples como os "ballets masquerades - ballets mascarados", ou uma bem sucedida síntese dos dois estilos como os "ballets à entrées - ballets com entradas", foram encenados, praticamente, sem interrupção. À técnica da época, onde se misturava o virtuosismo e a espontaneidade das danças italianas com o refinamento francês, juntavam-se movimentos extraídos da esgrima e da equitação, numa visível tentativa de suprir, de forma harmoniosa e satisfatória, a eventual falta de talento dos participantes.

O "ballet comique", caro demais, só pode ser encenado por pouco mais de uma década. De acordo com os historiadores o "ballet masquerade", foi o mais afastada da dança teatral e o mais próxima do mero divertimento, uma simples sucessões de danças sem qualquer enredo.

Nos "ballets à entrées" os personagens da "commedia dell'arte", típicos das mascaradas, começaram a dividir a cena com os elaborados 'ingegni[4] ' cenográficos e o relato dramático voltou a ser adotado. Registre-se que o trio básico das mascaradas, o Pierrot, o Arlequim e a Colombina, desenvolveu uma longa carreira, inicialmente, entre artesãos, comerciantes e camponeses influenciando, mais tarde, a elite, sem jamais perder o seu sabor de rua e de povo.

O "Ballet de la Douairière de Billebahaut - Ballet da proprietária de Billebahaut", de 1626, já foi considerado uma "entrée". Em 1632 encenava-se o primeiro ballet numa sala de espetáculos, ainda que esta não apresentasse a clássica divisão entre palco e platéia, na época unidos por uma rampa.

Esse modelo de espetáculo se manteve até o período romântico, constituindo-se em uma sucessão de danças da moda da corte devidamente ligadas por um enredo.

Em 1588, o cônego Thoinot Arbeau[5] escrevera o maior tratado conhecido até então, o "Orchesographie ou Traité en forme de dialogue par lequel toutes personnes peuvent facilement apprendre pratiquer, l'honnete exercises des danses[6] " no qual Arbeau, entre outras contribuições, estabeleceu as posições básicas do ballet clássico, antecedendo as regras tal como seriam enunciadas, posteriormente, pelo maestro de dança francês Pierre Beauchamps.

Criada a Academia, como se verá no próximo capítulo, pouco a pouco, graças ao desenvolvimento técnico que tornava cada vez mais difícil a execução das danças sociais executadas nos salões - o ballet cortesão foi uma dança social - os maestros conseguiram se livrar e livrar o ballet da imposição de nobres diletantes. Por essa época, somente os homens eram considerados artistas.

A partir da Academia, as mulheres, que durante muito tempo tinham sido praticamente banidas do ballet - da dança "profissional" - em nome do decoro e da moral, podendo participar apenas do grande baile final, foram novamente admitidas e gradativamente aceitas pela aristocracia.



[1] Os italianos não eram bem visto na França, que não os considerava nobres de "berço", mas apenas homens enriquecidos através do comércio. Assim, os que migravam para a França afrancesavam seus nomes.
[2] Embora, com sua assinatura, se tenha conhecimento, no mínimo, de outro ballet, encenado quatro anos antes, o "Ballet des Polonais", uma homenagem ao embaixador da Polônia, então, em missão diplomática à França. Vinha tratar do casamento da sobrinha de Catarina de Medicis com o rei polonês.
[3] Por "comique" não se deve entender nada cômico ou engraçado, mas apenas uma criação que terminava com um final ameno, feliz.
[4] Engenhos, origem das palavras engenharia, engenheiro.
[5] Arbeau não tivera autorização da Igreja para usar seu verdadeiro nome: Jehan Tabourot.
[6] "Orquesografia ou Tratado em forma de diálogo para que todas as pessoas possam, facilmente, aprender a praticar o honesto exercício das danças".

ballet

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Eliana Caminada é Orientadora e consultora, escreveu vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas História da Dança e Técnica de Ballet Clássico no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto "Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação" e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal de Munique".
Ela também edita o site www.elianacaminada.net

e-mail: e.caminada@gmail.com

 

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