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Dr. André Gonçalves Fernandes

Coluna "Lanterna na Proa"

LIBERDADE E SENTIDO

André Gonçalves Fernandes
Dois fatos parecem converter a busca pela liberdade numa tarefa vã. O primeiro é a morte. Por mais livre que um homem chegue a ser, por maior que seja o autodomínio alcançado pelo desenvolvimento das suas potencialidades, se a morte acaba com tudo, tudo estará perdido no momento da morte.

Nesse aspecto, a honestidade intelectual me obriga a reconhecer que o existencialismo contribuiu para a superação do mundo da utilidade imediata, ainda que Sartre e Heidegger negassem a possibilidade da transcendência divina e de sentido da existência.

O segundo fato é que a plena auto-realização pode apresentar-se como meta inacessível. Parece que o homem está destinado à frustração de não se realizar nem de chegar a satisfazer plenamente as suas necessidades. Destinado a nunca alcançar a liberdade absoluta, sobretudo se a liberdade é vista, equivocadamente, como sinônimo de “necessitar”, pois, por muito que possua, sempre necessitará de mais. Ora, um homem consciente de desejos não satisfeitos não se sente completamente livre.

O desejo humano de prazer ou de bens materiais talvez possa ser saciado. Mas o próprio fato – incontroverso - de se poder chegar a sentir náusea do prazer ou tédio dos bens de consumo é sinal certo de que a auto-realização humana não se caminha nessa linha.

Contudo, muito pelo contrário, a morte e a saciedade material são dados empíricos que fomentam a conquista da liberdade, desde que vistos sob a ótica do instinto de eternidade do homem. Sim, o homem tem uma outra dimensão: a verticalidade.

As apatias e indolências das pessoas com que convivemos nos dizem isso todo dia: cansei de namorar todo dia uma mulher diferente, cansei de beber até cair, cansei de viver no ócio, cansei de perder, agora vai ser diferente... No fundo, estão a exclamar: agora, quero ser eterno...

Ausente este instinto da vida humana, não restaria muito para o homem. O nascimento consistiria em receber um assento no cartório de registro civil, com espaço para a averbação da morte, dali a setenta ou oitenta anos. O número de anos não modificaria a índole fatal do ocaso. E, quando alguém nos perguntasse a respeito do sentido da vida, só haveria uma resposta certa: a morte.

Os pensadores existencialistas acima citados não só admitiram essa realidade, como a escancararam de uma forma trágica, precisamente porque não conseguiram alcançar seu sentido. No homem, existe um instinto de eternidade, que, no campo intelectual, não tem o status que merecia, ao contrário do instinto de conservação, incontroverso.

O instinto de eternidade seria o reverso da medalha do instinto de conservação e, na realidade, mais entranhado que este, porque o instinto de conservação visa a algo negativo e transitório – não morrer – enquanto o outro busca algo positivo e permanente – viver para sempre.

Por isso, é preocupante o fato de a filosofia contemporânea gastar sua energia em somente equacionar problemas superficiais do homem, almejando uma vida mais pragmática, amena, light, sem nunca abordar o dilema fundamental do homem: o sentido de sua existência, que lança suas águas, inevitavelmente, no instinto de eternidade.

O silêncio a respeito do tema é propositado: a fuga do sentido “trágico” da existência. Isso tornaria o dia-a-dia mais “fácil” para o homem. Evidente que a justificativa repousa numa visão pessimista da vida. Todavia, a inércia a respeito só adia o momento de resolução do dilema existencial que cada homem, mais cedo ou mais tarde, enfrentará.

A cultura em que vivemos, forjada dos restos de um racionalismo superado que equipara religiosidade à superstição, age como uma barragem e represa as inquietações voltadas para o transcendente, recalca o instinto de eternidade e os anseios religiosos do homem.

Não raro, provoca situações psicopatológicas, que vão desde depressão, passam pela dependência química e culminam na agressividade incontrolada. Em grau menor, a castração do instinto de eternidade provoca o apelo ao álcool, às desordens sexuais e ao consumismo desenfreado.

Em tais casos, o homem, que sente falido tal instinto, procura um refúgio nesses momentos de euforia hormonal para consolar, com uma alegria fisiológica e passageira, a voz daquele instinto que grita dentro de nós em estado de angústia: “Cansei de ser moderno, agora quero ser eterno”, poetizava Carlos Drumonnd de Andrade. E acrescento: “E livre. Para sempre”.



Escultura O Pensador

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 25/11/2011

 

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