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O homem não vive apenas de caviar


Evandro Faustino

Tradução livre, acrescida de comentários pertinentes e impertinentes, de uma página de “A vida lograda” de Alejandro Llano.

Ninguém pediu para nascer. Os existencialistas de 30 ou 40 anos atrás pensavam que isso de viver era uma espécie de maldição: ser jogado na existência, estar no mundo sem essa nem mais aquela... Os humanistas, ao contrário, entendem que a existência é um dom: o presente do próprio ser.

De qualquer forma, eu recebi a vida, mas não a recebi completa e acabada. Tenho que construir, complementar, levar a termo minha própria vida, e o drama que tenho enquanto pessoa é que nesse empreendimento eu posso ter sucesso, ou posso fracassar. Recebi gratuitamente o dom da vida, mas dependerá de mim que ela seja um sucesso ou um fracasso [1] .

- Então, qual é o meio que tenho para chegar a viver bem? Como posso edificar minha vida ou, pelo contrário como a posso arruinar?

- O meio principal é a ação. Ao atuar, você está jogando sua vida. A chave do êxito de tua existência consiste fundamentalmente em agir bem. É aí, em tuas ações, que você está construindo tua vida.

- Mas o que acontece se eu não tenho vontade de arriscar? Não posso apenas deixar a vida passar, abstendo-me de agir?

- Não, você não pode. Sempre estará arriscando, inclusive quando não quiser entrar no jogo. Você estará então escolhendo ser espectador, mas nem por isso deixa de tomar parte no drama. Queira ou não queira, você tem que decidir, você não pode deixar de arriscar.

Mas não é qualquer tipo de ação que tem a mesma importância vital. A espécie de ação que verdadeiramente conta para a edificação da própria vida não é a produção, mas a operação. Vamos entender os significados distintos dessas palavras, pois isso é realmente fundamental.

O importante não está nas coisas que produzo exteriormente – uma casa, uma viagem, um livro – mas no que faço com minha própria vida e com a vida dos que me cercam: como me porto com eles e comigo mesmo. A chave está nos bens humanos, nas virtudes que realizo (torno reais) e integro, e não tanto nas coisas materiais que procuro fabricar e possuir.

Aplicando: Na educação, o importante não é aquilo que faço, mas como me completo e me transformo fazendo.

O fim da produção está sempre fora de mim. É uma atividade processual, é um método, que implica em um certo movimento, movimento esse que acaba quando atinjo o fim proposto. Pela produção eu não tenho a pretensão de me realizar, mas apenas de realizar outra coisa, por exemplo reconfigurar meu laptop que entrou em sua típica fase caótica. A produção implica em um processo e em um resultado.

Aplicando:Os propalados “sistemas” de ensino que vigoram em muitas escolas, se forem muito bem aplicados poderão no máximo atingir um fim concreto e externo, como adquirir uma série de informações que me permitirão passar em determinada prova. Não me realizo com isso. Produzo algo externo a mim, e só.

A Operação, ao contrário, tem um fim que permanece em mim enquanto agente. É uma ação que afeta meu modo de ser. Não faço nada com ela, a não ser fazer a mim mesmo como, por exemplo, quando digo a verdade em um ambiente onde é perigoso a dizer. Se disser a verdade, me torno sincero; se mentir me transformo em mentiroso. Isto é: a operação não apenas atua “para fora”, mas me vai configurando a mim mesmo (como alguém sincero, ou como alguém mentiroso). Algo semelhante acontece com o comportamento ético, com o qual não se procura produzir nada externo, mas sim atingir um bem humano que me faça melhor a mim mesmo e aos que me rodeiam.

- Mas reconfigurar o laptop é útil, serve para algo. Dizer a verdade, pelo contrário, não serve para nada, a não ser para me antipatizar com os outros...

- Esta é a chave. Dizer a verdade não é um meio para um fim: é o próprio fim. Não serve para outra coisa, exatamente porque é uma ação que tem o fim em si mesma. Não é necessariamente algo “útil”, é simplesmente algo bom. E justamente por causa disso é relevante para orientar minha vida para seu próprio florescimento. Enquanto que reconfigurar meu laptop é muito útil para continuar escrevendo este artigo, mas pouco importa para atingir o êxito em minha vida.

Ao dizer a verdade não ganhei nada externo e tangível: ganhei a mim mesmo. Não avancei rumo a meu triunfo profissional ou ao meu prestígio social: avancei em direção a mim mesmo.(Avancei em direção ao ideal que Deus tem de mim, e que é o verdadeiro objetivo da educação personalizada). Enriqueci de um modo muito mais íntimo e precioso do que se ganhasse o premio da Mega Sena. Não mudei externamente, mas meu interior cresceu de tal forma que estou em condições de atuar melhor na próxima vez. Cresci até atingir e integrar em mim alguns bens que provavelmente permitirão enfrentar com mais acerto as vicissitudes do futuro, e - mais que isso - me assemelhar com Deus naquele aspecto único e pessoal que Deus deseja que eu pareça com Ele.

Passo a passo, à força de operações acertadas, vou me completando, ainda que às vezes dê a muitos a impressão de estar deixando de aproveitar oportunidades valiosas. É um tipo de trabalho de uma altura muitíssimo maior. Não se tratam de lentilhas, mas de caviar. Ainda que as lentilhas, bem preparadas, sejam boas. E ainda que o homem não viva apenas de caviar.

[1] - Santo Agostinho: Deus, que te criou sem ti, não te salvará sem ti.


* Evandro Faustino é Mestre e Doutor em História pela USP, Mestre em Direção de Centros Educativos pela Universidade Complutense de Madrid, Coordenador do Curso de Ciências Humanas do IICS, Autor de diversos livros e artigos sobre educação e Consultor do SESI para elaboração dos referenciais curriculares da rede escolar SESI-SP. É responsável pelo Blog Educar é ajudar a crescer  email: evandrofaustino.blogspot.com.br.

Fonte: Centro Educativo Volare -  www.volare.org.br 

Publicado no Portal da Família em 22/07/2015

The banquet of the Bean King of artist Jacob Jordaens, 1593-1678

The banquet of the Bean King of artist Jacob Jordaens, 1593-1678.

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