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André Gonçalves Fernandes
Coluna "Lanterna na Proa"

Super-Homens Solidários?

André Gonçalves Fernandes

O mar é lembrado em prosa e verso desde Homero ao que me recordo. Desde o manso e pacífico mar Egeu, por onde os ventos de Poseidon levaram a esquadra grega com Menelau, Ulisses e Aquiles até as praias troianas, passando pelo despretensioso mar caribenho do velho Santiago de Hemingway e terminando pelo episódio verídico do mar do Atlântico Norte, revolto pela tempestade perfeita que acabou com as vidas dos seis corajosos pescadores de Gloucester (Mar em Fúria, Wolfgang Petersen, 1997.) Hoje, ao contemplar as fotos dos lugares devastados pelos tsunamis do Índico, vem à mente a lembrança da pequenez da condição humana.

A vida atual leva-nos a sempre estar ocupados e, em regra, numa velocidade absurda que nos consome física e mentalmente. Não obstante isso, ficamos com a grata satisfação pessoal de ter cumprido nossas metas profissionais, adquirido aquela tão almejada casa própria ou vencido aquela dificuldade na solução de um problema familiar.

Como tais sucessos acabam virando uma rotina, acostumamo-nos a nos sentir no topo do mundo, à semelhança do coronel fazendeiro Paulo Honório, que costumava admirar a vastidão de sua fazenda no agreste nordestino enquanto refletia solitariamente sobre sua vida (São Bernardo; Graciliano Ramos; 1934).

Lá de cima, contemplando nossos êxitos, surge a tentação de domar tudo que nos cerca. Então, desencadeia-se uma catástrofe natural para recordar-nos da transitoriedade da criação, da debilidade da nossa condição e da inutilidade dos nossos esforços no afã de dominar o imponderável.

Tal sensação de impotência é mais forte aqui no Ocidente, cujo orgulho desmedido não fica nada a dever em grau ao fundamentalismo islâmico e à autoafirmação chinesa. Do outro lado do mundo, a reação é abrandada, porque as populações dos países atingidos convivem mais facilmente com as ações cegas da Terra.

Certa vez, li que, há tempos, a força das Monções moldou um comportamento comum naqueles homens. Aguardam sua passagem avassaladora, pondo-se a salvo nas regiões mais altas. Com o advento da estação seca, retornam às terras alagadas para reconstruir casas, vilarejos e plantações. Se tal movimento cíclico acostumou-os à incerteza do presente e à precariedade das condições de vida, de outro lado tornou-os mais capazes de enfrentar a adversidade com serenidade e a viver com desprendimento das coisas materiais. Eis uma lição de vida.

Apesar dos antagonismos entre as civilizações que povoam o planeta, as ondas gigantes, a lama e o entulho também advertiram-nos do singelo (e muitas vezes esquecido) fato de que todos somos iguais diante da natureza. Posto isso, compete-nos dar as mãos uns aos outros se quisermos sobreviver nessa vida.

Do contrário, se não há princípios que nos constituem como pessoas, o homem reduz-se a um feixe de pura subjetividade sem determinações, um eu fadado a fazer-se a si próprio e seu ideal aponta para um individualismo exacerbado em constante choque com muitos outros eus igualmente desnaturados.

No extremo, o outro já não é mais próximo, alguém solidário comigo pela mesma natureza, o qual me enriquece e ao qual posso enriquecer, mas um mero objeto ou animal estranho, ora um obstáculo, ora uma fonte de conforto, ora um trampolim. Em todos os casos, um ser completamente descartável. É obvio que aí não tem lugar para a solidariedade.

Assim, espera-se que a onda de solidariedade a que assistimos não seja como um tsunami: uma investida avassaladora seguida de uma retirada lenta das águas.

Por fim, as lições do episódio não são nada mais daquilo que nós já sabíamos. A vida e a natureza são absolutamente imprevisíveis e o bom senso indica-nos que o melhor caminho é aprender a conviver com essa idéia de maneira conseqüente. Sem superestimar nosso conhecimento e sem pretender buscar o imponderável. Vale a lição dos pais: querem sempre saber onde os filhos andam, mas cientes de ser impossível controlá-los completamente.

Pai e filho vestidos de super-homem

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 08/08/2014

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