OS LIMITES DA CLONAGEM |
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Evaristo Eduardo de Miranda * A clonagem é uma técnica de duplicação
de um ser vivo, sem passar pela via sexual. O clone tem exatamente o mesmo
patrimônio genético do ser clonado. Pela via sexuada, o filho
sempre tem metade do patrimônio genético do pai e metade
da mãe. Na natureza, o caso dos gêmeos idênticos é
análogo a clonagem. Um ser vivo, no início um ovo fecundado,
dividiu-se em dois e deu origem a dois seres geneticamente idênticos,
do mesmo sexo e muito parecidos em termos de aparência. A clonagem
tem duas finalidades: reprodutiva e terapêutica. Na primeira, busca-se
repetir alguém: artista famoso, milionário, cientista genial...
A pessoa doa uma célula e a partir dela é gerado um ser
geneticamente idêntico, sem passar-se pela via sexual. É
o que foi feito, de certa forma, no caso da ovelha Dolly. Na clonagem terapêutica busca-se gerar,
com células indiferenciadas (células tronco), tecidos, órgãos
ou outros componentes do corpo. Qualquer célula tronco pode ser
induzida, em laboratório, a produzir partes do corpo, transplantáveis
sem risco de rejeição. Isso é feito para tratar-se
de um ser humano, o próprio doador. A principal fonte de células
indiferenciadas é um embrião gerado especificamente para
essa finalidade. Ao extraírem-se essas células, o embrião
morre. Sua morte acarreta a destruição de uma vida humana
ou, pelo menos, o impedimento de um processo que naturalmente culminaria
numa vida humana, com implicações éticas e religiosas. As células tronco existem também
em tecidos adultos (músculos, medula óssea, intestino, neurônios,
cordão umbilical etc.). Podem ser usadas para finalidades terapêuticas,
sem acarretar a morte de embriões, mas trata-se de um processo
mais difícil e menos eficiente. Muitos laboratórios e centros de pesquisa
exigem uma liberdade irrestrita para trabalhar com células tronco,
sobretudo a partir de células de embriões, as mais acessíveis
e adequadas para a pesquisa. Justificam essa demanda de liberdade, com
a possibilidade de curar doenças graves, salvar vidas etc. Além
do mais, com as técnicas de fecundação in vitro,
geraram-se milhares de embriões que - ao envelhecerem nas geladeiras
dos laboratórios - não podem mais ser implantados em mulheres
e assim estariam "disponíveis"! O tema é absolutamente novo. A clonagem
reprodutiva está proibida na Europa, nos Estados Unidos e deve
ser proibida por lei, em breve, no Brasil. O tema da clonagem terapêutica
é mais complexo e está autorizada em muitos países.
Refletir sobre o assunto e impor limites e orientações à
pesquisa científica é fundamental. Duas dimensões, muito simplificadamente,
fundam o humano: o de limite e o vínculo. O humano é capaz
de autolimitar-se de forma estruturante. Um pai não faz sexo com
sua filha. O humano proíbe o incesto. Isso, por um exemplo, é
um eixo estruturante de nossa humanidade, face à animalidade. Essa
limitação, como tantas outras ontologicamente instaladas
no humano, e tão bem explicitadas na Lei de Deus, também
tem a ver com a noção de vínculo. Não sou
filho do nada. Tenho ascendentes e descendentes. Existe um vínculo
entre minha origem e meu destino, inclusive no sentido escatológico. Alguns psicanalistas chamam esse vínculo
de inserção genealógica, sem a qual perde-se a identidade
humana. Herda-se das gerações passadas a vida individual,
no sentido genético, e também a vida social. A linguagem
é talvez um dos exemplos mais claros dessa vinculação
relacional que nos faz homem pelo outro. Eu não inventei minha
língua, o português. Por mais que alguém possa sozinho
realizar coisas em sua vida, sua língua é sempre um tesouro
herdado. Mas, as ideologias do momento tentam subverter os princípios
de nossa humanidade, visando poder e lucro. O problema da clonagem não está
em gerar-se uma pessoa idêntica à outra, como a mídia
apresenta a questão e a televisão delira explorando tudo,
menos o essencial. A questão é outra. O clone de uma pessoa
será seu irmão e simultaneamente seu filho. Uma ruptura
do fluxo em cascata das gerações, como na bela expressão
de Tertuliano, com conseqüências inimagináveis para
nossa humanidade. A clonagem reprodutiva é um incesto consigo mesmo.
Um incesto ao quadrado! Quando alguém pratica o incesto é
condenado, no direito, por crime contra a genealogia. É igual na
clonagem. Só que com muitos cúmplices a serem levados as
barras da Justiça. Até porque, do ponto de vista teórico
alguém poderia ser clonado sem sabê-lo e a sua revelia. Ao proibir a clonagem humana, os países
impõem limites necessários a pesquisas e desvarios de alguns
cientistas. Em nome de uma ideologia cientista, que daria à ciência
a liberdade de fazer o que quiser, alguns pesquisadores reagem. E têm
boa mídia. Eles não aceitam limitações, orientações
e muito menos objeções à sua utopia enganadora. Alguns
cientistas - manipuladores de embriões e opiniões - também
vendem sua utopia gênica, reparadora e sanitária anunciando
que doenças serão curadas, bebes serão geneticamente
perfeitos, acabará a dor e o sofrimento: um corpo eternamente são
numa sociedade sadia. Quando a ciência deixa de ser descritiva e
explicativa, para tornar-se normativa, a sociedade deve reagir. Simplificando:
não cabe à ciência dizer como deve ser nossa sociedade.
Cabe à sociedade definir a ciência e as pesquisas que quer
(1). Leis divinas, inscritas no ser profundo de cada
um, clamam na defesa de nossa humanidade. Essa voz de Deus, na tradição
cristã, deve ser sempre buscada e ouvida, no fundo do coração,
na oração, na doutrina da Igreja e no Magistério.
Às ameaças ao princípio de humanidade, deve-se responder
como dois judeus o fizeram, Pedro e João, face aos poderosos e
autoridades de seu tempo: "Julgais vós se é justo,
diante de Deus, ouvir-vos antes a vós do que a Deus? (At 4,19)".
* Evaristo Eduardo de Miranda é Doutor em ecologia,
pesquisador da Embrapa, membro da pastoral das exéquias e membro
do Conselho Consultivo do Instituto Ciência e Fé (www.cienciaefe.org.br).
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