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Tribos, Clãs, Famílias de amigos

Jane Howard

Existem as famílias nas quais nascemos e as formadas pelos amigos queridos. Todos necessitamos ao menos de uma, e nossas vidas se enriquecem à medida que elas aumentam.

Há dias em que minha letra se parece com a de minha mãe, inclinando-se esperançosa e um pouco extravagante para leste. Noutros, é mais como a de meu pai: decidida, vertical. Meu pai e minha mãe permanecerão nos meus músculos até o dia de minha morte; mas não são eles os únicos.


O problema das famílias no seio das quais nascemos é que muitas vezes vivem longe de nós. Em situações de emergência temos de nos precipitar através de continentes para junto delas, assim como elas próprias têm de fazer conosco; mas freqüentemente os nossos familiares estão longe demais para nos ajudarem a sair de uma terça-feira de fossa para chegar a uma quarta feliz. Então o jeito é a gente se apoiar em nossas famílias de amigos.

 

Estas novas famílias podem ser formadas tanto por amigos ocasionais, adotados ao acaso, como por amigos do peito, a quem nos ligamos por eleição. Os amigos ocasionais são aqueles com quem por acaso vamos à escola juntos, com quem trabalhamos ou de quem moramos perto. Eles sabem onde estivemos no último fim de semana e se nos curamos de um resfriado. O mero fato de estarem por perto lhes confere uma importância transitória em nossas vidas. Se nos mudássemos dali, seis meses ou dois anos seriam provavelmente suficientes para que deixássemos de nos lembrar. A não ser que nos tivéssemos tornado amigos do peito.

 

Amigo do peito é uma pessoa que me vê numa das melhores versões de mim mesmo. Ouvimos juntos boa música e bons silêncios também. Telefonamos um para o outro em horários em que não ousaríamos incomodar outras pessoas. Não confundimos delicadeza com generosidade. De vez em quando até discutimos. Viajamos juntos. Quando tempo e dinheiro andam curtos, uma viagem de uma ponta a outra da cidade resolve. Qualquer lugar serve, desde que possamos reunir, aguçar e comparar nossas reações. Indo e vindo, vamos absorvendo as histórias um do outro.

 

As amizades são sagradas e milagrosas, mas podem sê-lo ainda mais se nos conduzem a seu equivalente em "clãs". Como membro de seis ou sete tribos, além daquela em que nasci, estive imaginando quais são as marcas comuns aos dois tipos de famílias. Minhas conclusões:

 

As boas famílias têm um chefe, uma heroína ou um fundador - alguém em torno do qual todos os outros se aglutinem, cujas realizações e cujo exemplo apareçam como verdadeiras façanhas, estimulando-os. Algumas dinastias de sangue produzem tais personagens regularmente; outras definham por cinco gerações entre o surgimento dos luminares. Todos os clãs precisam de um tal personagem vez por outra e, por vezes, clãs não formados pelo sangue reúnem vários deles num mesmo intervalo de tempo.

 

As boas famílias têm um operador de controle - alguém que não pode ajudar, mas que está a par de tudo o que todos os outros andam fazendo, uma espécie de Missão de Controle de Houston para a nave Apolo de cada um. Este papel, como o anterior, é mais bem assumido que atribuído. Alguém sempre se voluntariza para desempenhá-lo. Essa pessoa freqüentemente se acha compelida a organizar álbuns de recortes e de fotografias para que todo o clã possa ver as provas de sua própria continuidade.


As boas famílias são hospitaleiras.
Sabendo que anfitriões pedem hóspedes assim como hóspedes pedem anfitriões, elas concedem generosamente "filiações honorárias" aos amigos. Tais clãs têm vívido sentimento pelos grupos circundantes - parentes, vizinhos, professores, alunos e padrinhos -, podendo qualquer deles entrar de sopetão ou suavemente no grupo central. Dentro deste grupo central se desenvolve um saudável e tácito feudalismo emocional. Isso significa que você pode me pedir que cuide de seus filhos durante as duas semanas em que ficará no hospital e que, por mais inconveniências que isso possa me trazer, vou dar um jeitinho. Significa também que posso telefonar para você numa lúgubre, infeliz tarde de domingo, sabendo que você me dirá para ir para sua casa imediatamente.


As boas famílias lidam de frente com o terrível.
Pobre da tribo que não tem e cuida com amor pelo menos de um excêntrico lunático. Pobre, também, daquele que imagina poder evitar os infortúnios de que toda a humana carne é herdeira. A loucura, a falência, o suicídio e outras impensáveis fatalidades afligem, mais cedo ou mais tarde, o mais nobre dos clãs. A vida de família é um conjunto de acontecimentos inevitáveis e é preciso coragem para encarar alguns deles mais como bênçãos que como maldições.

As boas famílias gostam de seus rituais.
Eles são vitais. Unem uma família, evocam um passado, fazem supor um futuro e sugerem uma continuidade. Um clã torna-se uma pouco mais clã cada vez que se reúne para observar um ritual fixo (Natal, aniversários e assim por diante), lamentar uma morte, ou quando inventa um novo rito só seu. Os rituais não podem, entretanto, ser decretados. Emergem em momentos que só ocorrem uma vez, em volta dos quais se agrupam significados da memória. Você não escolhe esses momentos: eles se escolhem a si mesmos.

As boas famílias - não somente as que têm laço sangüíneo - necessitam encontrar uma maneira de se ligarem à posteridade.
Que é que vamos fazer, nós que não temos filhos? Construir casas? Plantar árvores ? Escrever livros, ou sinfonias, ou leis ? Talvez, mas ainda assim seria bom que houvesse crianças nos arredores, se não no centro, de nossas vidas. É uma limitação triste não vermos, falarmos e rirmos juntos com (e darmos a máxima importância a) pessoas que podem esperar viver várias décadas mais que nós.

As boas famílias também honram seus membros mais idosos. Quanto mais amplo o espectro das idades, mais forte é a tribo. Agora existe um sortimento de avós muito mais farto do que quando a velhice era mais rara. Se os verdadeiros avós não estiverem à mão, nenhuma família deveria ter grande dificuldade em encontrar substitutos a quem prestar sincera homenagem.


Um dia, no corredor do edifício onde mora um de meus amigos, vi duas enfermeiras saírem do elevador ladeando uma senhora toda enrugadinha, de olhar fixo, que não podia pesar mais de 30kg. Isto era o máximo que ela conseguia fazer: descer três degraus até a calçada e chegar ao meio-fio, onde um carro esperava a fim de transportá-la para um hospital. A senhora, que estava com 90 anos, tinha levado um tombo naquela manhã e machucara-se, contou o porteiro. Vivia no prédio há 40 anos. Todos os seus parentes tinham morrido e os poucos amigos que ainda viviam não a procuravam. "Como pode ser ?" perguntei a meu amigo. "Nós não poderíamos ficar tão sós, poderíamos ?

"Acontece..." , disse meu amigo.

Talvez se possa evitar que isso ocorra, dando mais atenção a nossas tribos, clãs e diversos tipos de famílias. Nenhum objetivo me parece mais urgente nem nenhuma obra mais digna de um salmo.


Fonte: Revista Seleções do Reader's Digest - Dez/1979 - www.selecoes.com.br

Alguns artigos são sempre atuais e valem a pena serem relembrados. Este é um deles.

 


O problema das famílias no seio das quais nascemos é que muitas vezes vivem longe de nós. Mas freqüentemente os nossos familiares estão longe demais para nos ajudarem. Então o jeito é a gente se apoiar em nossas famílias de amigos.

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