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A soma de muitos poucos

Sueli Caramello Uliano


Contou-me que no início da madrugada havia despertado com o barulho do vento. Zoava pelo apartamento uma corrente de ar frio, arrepiou-se ligeiramente. O marido continuava dormindo, impassível.

Acabou por levantar-se para fechar a porta da área de serviço e conferir as janelas, ajeitar cortinas e persianas. Surpresas próprias das noites de outono essas variações de temperatura.

Passou pelo quarto da filha. A menina encolhera-se de pijama leve sob um lençol fino. Ela apanhou uma mantinha e abriu-a, ajeitou-a até os ombros da jovem, fez a dobra para que a lã não lhe roçasse o rosto. A menina espichou-se, refestelou-se, relaxou sob o calor do agasalho. O rosto suavizou a expressão apreensiva que a defendia do desconforto anterior.

Ela voltou a deitar-se. Perdera o sono, apesar do cansaço, mas sentia-se recompensada. Descobrira que o seu termômetro natural continuava ativo, não no que se refere à temperatura ambiente apenas, mas àquele tato de perceber que alguém na casa poderia estar com frio. Mulher, confirmava-se mãe.

O relato, feito em tom de brincadeira, fez-me lembrar do ladrão da Fontana di Trevi. Recentemente os jornais noticiaram a boa fortuna desse senhor que se apropriava há anos das moedas lançadas pelos turistas que assim formalizam o seu desejo de voltar à Cidade Eterna. Essa tentativa lúdica de garantir o retorno a Roma garantia com sobras o sustento do desempregado e seus cúmplices, apesar de que não se pode imaginar que alguém lançasse ali grandes valores... Muito pelo contrário! Desejos parcamente representados estes que, no entanto, somando-se no murmúrio do chafariz resultam em uma pequena fortuna.

Lançam os turistas pequenas moedas na Fontana di Trevi como lança minha amiga o seu olhar, numa noite fria, ao redor de si. Se as mulheres voltassem a lançar o seu olhar feminino sobre as dores da humanidade! E se a cada olhar correspondesse um gesto de mulher que se descobre mãe e se inclina para o outro... Somados no burburinho da vida... Quanto calor! Quanta paz!

Ainda que pela manhã, em face de uma nova surpresa de outono, a menina se tenha levantado contrariada... Mãe! Por que você me cobriu com manta, hein? Acordei morrendo de calor!!! (Ora, que mãe se importa com isso?)

 

Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para assuntos de adolescência e educação.

É autora do livro Por um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais.

e-mail: scaramellu@terra.com.br

 


 

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