Uma jovem professora de pré-escola me dizia que lhe causa muita
tristeza ouvir repetidas vezes, de uma aluninha sua, este comentário:
"Meu pai se separou da minha mãe, mas ele continua dando dinheiro
para a comida."
Por que insiste nisso a pequena? Que estranha necessidade tem de valorizar
tal atitude do pai, de modo a defendê-lo, justificá-lo diante
dos coleguinhas e, especialmente, diante de si mesma? A menina sofre,
porém não acusa o pai. Defende-o por amor. Tenta encobrir,
com os argumentos que lhe ocorrem, a ausência paterna. E insiste
no assunto, para que não persistam dúvidas.
Sabemos que esse exemplo não é um fato isolado. Antes, constitui
hoje ocorrência muito freqüente os pais que se separam. Por
isso é preciso armar-se de coragem e examinar a questão
por outro ângulo: constitui hoje ocorrência muito freqüente
filhos que sofrem desorientados, massacrados pelo conflito de constatarem
a desunião daqueles para quem se inclinam amorosamente. Não
raro, vêem-se divididos nos seus afetos, sofrendo remorsos.
Cada filho é um bem em si mesmo, por mais dificuldades que sua
vinda acarrete. Está situado no ponto de encontro do amor entre
o pai e a mãe, vem confirmá-lo, fortalecê-lo, aprofundá-lo.
Cada filho exige dos pais um aprimoramento no exercício de se doar
pelo bem de outrem, apela ao seu interior, à razão e à
sensibilidade; clama por identificar neles a grandeza natural a que todo
homem procura se ordenar, a imagem onde espelhar-se... E quando essa expectativa
se frustra, frustra-se também boa parte de suas mais nobres aspirações.
Ninguém ignora que a convivência no lar pode ser abalada
por fatores internos e circunstâncias externas, que ameaçam
reduzir o amor a um jogo de egoísmo e orgulho. Mas uma arraigada
convicção do valor da paternidade e da maternidade pode
ser um antídoto eficaz para não sucumbir a certas solicitações,
ainda que a opinião pública, nestes tempos de muita paixão
e pouco amor, incentive a prevalência das fraquezas humanas sobre
um ideal maior, de dignidade e honradez.
E como adquirir essa convicção? No caso da mulher, a constituição
física, bem como a sua estrutura psicofísica, comportam
em si a disposição natural para a maternidade. Além
disso, a disponibilidade da mulher ao dom de si e ao acolhimento da nova
vida completa o cenário que a predispõe para a maternidade
como fato e fenômeno humanos. Uma vez concebido o filho, recai sobre
a mãe o peso de lhe entregar as energias de seu corpo e de sua
alma. Já se vê que a convicção do valor da
maternidade tem muito mais possibilidades de se arraigar na mulher do
que o da paternidade no homem. Afinal, o homem encontra-se sempre fora
do processo de gestação e nascimento da criança.
Deve, portanto, aprender da mãe de seus filhos a sua própria
paternidade, esforçando-se por desenvolver em seu íntimo
a capacidade de dar atenção à pessoa concreta do
filho. Ao mesmo tempo, deve reconhecer que tem um débito especial
para com a mulher, no conjunto dos fatos que os fazem genitores.
Nas últimas décadas, sob a pressão dos conflitos
desencadeados pelo movimento feminista, muito se tratou do tema da maternidade.
Já a paternidade não tem despertado tanta reflexão,
como se fosse possível tratar os dois temas isoladamente. Não
sei até que ponto essa dissociação no campo teórico
pode ter contribuído para a dissociação na prática,
mas o fato é que os casais chegam a acreditar que a sua separação
nada tem a ver com a educação dos filhos. Como se a educação
dos filhos não exigisse a dúplice contribuição
dos pais, e o seu bom e amoroso relacionamento não contribuísse
para a felicidade deles. E como se a separação não
concorresse para a insegurança, favorecendo o desestímulo
e as frustrações dessas crianças e jovens.
Cabe também destacar que - por conta de uma mal entendida realização
feminina, que situou a importância profissional e social da mulher
apenas fora do lar - a maternidade viu-se pressionada a reduzir-se à
mera reprodução, a uma função fisiológica
que não envolveria a essência feminina. Ora, essa redução
da maternidade equivaleu também a reduzir a paternidade. O homem
virou sêmen congelado, como já o vem apontando há
algum tempo Antonieta Macciocchi, uma das intelectuais feministas de maior
destaque na Europa.
Dar dinheiro para a comida, sair a passeio nos fins de semana, resolver
problemas - na maioria das vezes financeiros - pelo telefone... Tudo sem
tocar no nome da mãe. Cria-se com freqüência uma situação
perversa: a mãe, a quem cabe geralmente a guarda dos filhos, é
a figura que exige deles uma certa conduta no dia-a-dia, enquanto o pai
se situa no lado do prazer, dos passeios inesquecíveis nos fins
de semana. Que distância do convívio familiar global, quando
pai e mãe providenciam o sustento da família, administrando
os momentos de trabalho e lazer, resolvendo os problemas juntos, esquecendo-se
de si para atender aos outros, relevando, superando os conflitos!
Evidentemente, as crises matrimoniais não são desencadeadas
exclusivamente pelos maridos, mas, já que comemoramos o Dia dos
Pais, seria muito pedir-lhes que reflitam sobre a essência da paternidade?
O que deve haver para além da disposição (aliás,
louvável) de levar os filhos pequenos ao colo entre a multidão
que se movimenta nos shoppings? O que há para além do dinheiro
que custeia as modas? Será que os filhos não observam mais
nada? E, se observam, o que têm para ver? O que se lhes oferece
como exemplo de firmeza de caráter, responsabilidade, persistência,
honestidade, paciência, sinceridade? Sabemos que as virtudes só
falam quando são vividas. Quem sabe um pouco de reflexão,
boa vontade e disposição humilde de retificar ofereçam
uma chance a tantos adolescentes desiludidos em conseqüência
das tristezas que vivenciam no lar. Será que não vale a
pena, papai? (Será que não vale a pena, mamãe?)
Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela
Universidade de São Paulo, Presidente
do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para
assuntos de adolescência e educação.
É autora do livro Por
um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações
Culturais.
e-mail: scaramellu@terra.com.br
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