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Coluna "Por dentro da dança"
Ballet Clássico: Oração materializada

Eliana Caminada
caminada@iis.com.br

 

"- É um grande prazer para mim tomar parte nessa criação; não somente pelo amor a Tchaikovski[1], mas também pela minha profunda admiração pelo ballet clássico, o qual, em sua essência, pela beleza de sua ordonnance - organização - e aristocracia austera de suas formas, corresponde, de maneira tão próxima, a minha concepção de arte. De fato, na dança clássica, vejo o triunfo da concepção estudada sobre a imprecisão, da regra sobre o arbítrio, da ordem sobre o casual. Estou assim, face a face, com o eterno conflito entre os princípios apolíneos e dionisíacos. O último assume o êxtase como meta final - ou seja, a perda de mim mesmo-, enquanto que a arte demanda, acima de tudo, a total consciência do artista.

Aí, não duvido sobre minha escolha entre os dois. E, se aprecio tanto o valor do ballet clássico não é, simplesmente, uma questão de gosto da minha parte; é que vejo nele, exatamente, a mais perfeita expressão dos princípios de Apolo."

Estas palavras não foram proferidas por nenhum bailarino, mas por Igor Stravinski [2] referindo-se à produção de "A Bela Adormecida" dos "Ballets Russes de Diaghilev [3]" encenada em Londres em 1921.

Como o grande compositor, eu também amo o ballet clássico, ainda que não negue a eterna dualidade que é inerente à arte e, portanto, ao ballet, enquanto expressão de/a vida.

Meu amor está alicerçado na convicção de que o ballet não é apenas uma arte universal e atemporal; ele é também uma técnica secular, que ainda não foi - e creio que nunca será - superada como instrumento para conferir ao corpo plasticidade, expressividade e autonomia.

A dança, pensada e aplicada como atividade subordinada a essa técnica baseada na razão e na imaginação criadora, é capaz de transformar a opção pelo palco numa realização corporal, espiritual e pscológica de prazer. Mais do que isso, o ballet, é uma dança profundamente reveladora do interior do artista, traiçoeira, até, quando nos julgamos senhores do que transmitimos. O ballet é a dança da honestidade, do longo e seguro caminho que envolve uma erudição quase purificatória.'

Eliana Caminada

[1] Piotr Ilich Tchaikovski (1840-1893), grande compositor russo do período romântico, compôs para ballet as conhecidas obras: “ A Bela Adormecida”, “ O Lago dos Cisnes” e “O Quebra-Nozes”.

[2] Igor Stravinski ((1882-1971), grande compositor russo, autor de obras referenciais como “Sagração da Primavera” e “ Apollon Musagette”, entre outras.

[3] Sergei Pavlovitch Diaghilev (1872-1929), empresário, mecenas, diretor, sem jamais ter sido artista deu o que, talvez, considere-se a maior contribuição ao mundo da arte do século XX. Seus “Ballets Russes” constituíram-se numa verdadeira epopéia.


Eliana Caminada é Orientadora e consultora, escreveu vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas História da Dança e Técnica de Ballet Clássico no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto "Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação" e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal de Munique".

Eliana Caminada

 

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