A piada é recorrente, parece ter um fundo de verdade, e há
quem considere que o heróico espermatozóide que chegou foi
de alguma forma responsável pela morte dos outros cerca de três
milhões que ficaram para trás.
Puro machismo! Eu não sou o espermatozóide que chegou. Não
houvesse óvulo maduro à espera e o herói não
chegaria a lugar algum. Não sou, portanto, o espermatozóide
e nem tampouco o óvulo. Eu sou o encontro dos dois.
Há aí um grande mistério. Quantos óvulos amadurecem
e se perdem na solidão, inúteis e incapazes por si sós
de catalizar uma nova vida! E assim também os milhões de
células masculinas, virilmente afoitas, fenecem sem promover uma
fecundação. São células reprodutivas que morrem,
apenas, sem conquistar a individualidade, sem se tornarem pessoas. Quando,
no entanto, coincide de encontrarem-se essas forças vitais, inicia-se
um processo de vida, origina-se um único e irrepetível ser
humano, até que a morte interrompa a sua existência. Negar
que a vida começa nesse encontro equivale a ter de apontar: onde
ela começa se não é aí? Embrião não
é vida? Feto é que é? Só o bebê nascido
porque tem vida independente do ventre materno? Mas se dependemos da mãe
por tantos anos depois de nascidos... Há também quem defenda,
a propósito da dita clonagem terapêutica, que "aquilo"
é material genético disponível e que só é
vida quando devidamente implantado num útero. Quer dizer que alguns
de nós começamos a vida na fecundação e outros
lá pela trigésima segunda célula... ? Criminosa manipulação
eugênica.
O fato é que estamos aqui, crescidinhos, totalmente esquecidos
de que fomos um dia um nascituro, que como disse meu amigo Marcelo o nome
é bastante feio e parece doença. Mas fomos, sim, e estávamos
à mercê dos crescidinhos da época. Fomos uma criança
por nascer, uma criança simplesmente concebida e indefesa. E nascemos.
Somos portanto, nesse sentido sim, vencedores!
Passamos por todas as fases do processo de gestação e nascemos
para a luz, chorando pela vida. Uns mais inteligentes, outros menos, baixos,
altos, gordos, magros, cada um com seus sonhos, com suas lutas, em lares
pobres, ricos, acompanhados por pais amorosos ou desinteressados. Não
sabemos quando será o fim, mas com certeza sabemos quando foi o
início... E não abriríamos mão desta chance,
por mais que os nossos pais estivessem convencidos de que éramos
indesejados.
Está muito fácil acabar com uma vida não-nascida,
expulsar um nascituro antes mesmo de que haja sintomas de sua existência.
E quanto mais rapidinho melhor, através de pílulas que processam
curetagens químicas ou dispositivos intra-uterinos que não
permitem a nidação. Ou seja, depois de tanta luta do espermatozóide
para chegar ao óvulo amadurecido que o aguarda, o novo ser por
eles constituído não consegue "fazer o seu ninho".
Morre e é eliminado de modo praticamente invisível, disfarçado
de menstruação. Menos conseqüências para a mãe,
na suposição de que quando os olhos não vêem
o coração não sente. O problema é que o coração
sempre desconfia... E o coração acusa mais do que todas
as leis externas; não há terapia que o faça calar.
O fato é que está muito difícil nascer. A vida perde-se
nos ralos da inconseqüência de quem quer o sexo apenas para
regalar-se. E o troféu de vencedor, rigorosamente, deveria ser
dado pelo filho aos pais que souberam respeitá-lo e recebê-lo,
apesar da violência e crueza com que se trata a vida não
nascida nos dias de hoje.
Sueli Caramello Uliano - 17/03/04
Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela
Universidade de São Paulo, Presidente
do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para
assuntos de adolescência e educação.
É autora do livro Por
um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações
Culturais.
e-mail: scaramellu@terra.com.br
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