Portal da Família
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CRISES
NO CASAMENTO POR DESLEIXO, ROTINA E DETERIORAÇÃO DA VIDA
CONJUGAL |
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Há uma rotina indispensável e benéfica que nos permite cumprir com regularidade, constância e pontualidade os nossos deveres espirituais, familiares e profissionais. Esta rotina constrói uma estrutura de vida sólida, cria um comportamento homogêneo que nos ajuda a libertar-nos da espontaneidade meramente anárquica, dos caprichos emocionais dissolventes e perniciosos. Mas existe uma outra rotina, a rotina mortífera, que deve ser afastada como a peste. É uma rotina que, pouco a pouco, como uma sanguessuga, vai dessangrando o con vívio conjugal. Todos os dias um pouco. Imperceptivelmente, endurece-nos, converte os nossos atos em algo mecânico, torna-nos autômatos, robôs sem vida, extingue o calor e a alegria de viver e de amar. Esta rotina provoca um desgaste progressivo na vida familiar, uma perda de energias, uma espécie de anemia vital que torna a existência cinzenta, anódina, incolor. Lembro-me daquela música dos anos 60 cantada por Ronnie Von: "A mesma praça, os mesmos bancos, as mesmas flores, o mesmo jardim, tudo é igual, assim tão tris te..." Alguns poderiam queixar-se, de forma semelhante: "A mesma esposa, a mesma família, o mesmo trabalho, a mesma paisagem, a mesma "droga de sempre"... É tudo tão triste e cansativo..."Talvez se consiga continuar caminhando mesmo assim. Externamente, o casal vai mantendo as aparências, como um móvel visitado pelo cupim, corroído por dentro. Por fora, nada se percebe, mas de repente tudo desmorona, os cenários desabam, as fachadas caem e aparece um panorama desolador: "Meu Deus, toda a minha vida, daqui para a frente, vai ser igual"... E entra-se numa espécie de letargia mortífera. Muitas infelicidades, muitas crises conjugais, muitas deserções são provocadas por esse fenômeno. Quando na nossa vida diária não "contemplamos o amor",
não renovamos o amor, caímos nessa rotina que mata. Os mesmos
bancos, as mesmas flores, o mesmo jardim, a pesada monotonia do que é
sempre igual, deve-se - como dizia ainda a canção - a que
"não tenho você perto de mim". Quando o amor está
ausente, tudo é tão triste...! Você talvez já tenha passado por uma experiência parecida. Estava trabalhando numa tarefa extremamente enfadonha, repetitiva, rotineira... e pensava: "Tomara que termine logo"... De repente, alguém que você ama muito pôs-se ao seu lado e disse-lhe: "Deixe que lhe dê uma mão. Ao menos, deixe-me ficar com você até terminar"... E, naquele momento, você murmurou: "Tomara que não termine nunca!" As mesmas circunstâncias mudam substancialmente quando o amor está presente. A mesma família, a mesma esposa..., mas tudo é diferente porque se soube remoçar o amor: as pupilas, dilatadas pelo amor de Deus, pelo amor ao cônjuge e aos filhos, conseguem enxergar uma nova família, uma nova esposa, um novo trabalho todos os dias. O poeta francês Lamartine passava horas a fio olhando sempre para o mesmo mar. Alguém lhe perguntou certa vez: "Mas não se cansa de olhar sempre a mesma vista?" - "Não - respondeu -; por que será que todos vêem o que eu vejo e ninguém enxerga o que eu enxergo?" A sua alma de poeta permitia-lhe ver realidades diferentes nas paisagens de sempre. A alma contemplativa que o amor nos confere dá-nos também essa acuidade espiritual que nos permite ver mundos novos por trás das aparências sempre iguais do monótono viver diário. Em contrapartida, quando não existe uma viva preocupação por renovar o amor como o fator mais importante da vida conjugal e familiar, aparecem esses matrimônios corroídos pela monotonia. Lembro-me do Gilberto e da Cida. Acompanhei as suas vidas desde o início do casamento. Amavam-se muito. Gilberto, jovem advogado que achava lindíssima a sua "Cidinha", trabalhou muito e prosperou. Aconselhava-se espiritualmente comigo. Depois de catorze anos de casamento, Gilberto disse-me um dia: "Depois, chego ao escritório e encontro lá a Mônica, uma estagiária. O panorama muda da água para o vinho. Ela é encantadora. Acho que tem uma queda por mim... Aproxima-se, charmosa...: "O senhor parece cansado...; não quer que lhe traga uma aspirina com uma coca-cola?" E afasta-se com um andar cadenciado que me arrebata... Estou perdendo a cabeça... Em casa, sinto-me acorrentado... Tenho necessidade de libertar-me. Por que condenar-me à prisão de um amor que já morreu? O contraste entre a Mônica e a Cidinha é muito forte... Não sei, não... O que me aconselha?... - Eu lhe daria quatro conselhos - respondi -, mas preciso antes que você
me diga se está disposto a cumpri-los. - Não! Isso não!! - Prometeu seguir os meus conselhos... Ao menos, dê-lhe trinta dias de férias remuneradas... - Isso sim, posso fazer... - Em segundo lugar - acrescentei -, leve o seu filho mais velho à igreja em que você se casou, e, diante do altar e do sacrário onde você prometeu à Cida que a amaria até que a morte os separasse, diga ao seu filho que pensa trocar a mãe dele pela Mônica... Já imaginou o que lhe responderá esse seu filho, que lhe parece um "bicho do zoológico", mas que ama o pai mais do que tudo no mundo? Quer que lhe diga?: "Pai, esperaria qualquer coisa de você, menos que fizesse uma cachorrada dessas com a minha mãe"... - O senhor está sendo duro demais - retrucou o meu amigo.- Não. Pense que estou apenas adiantando o que, muito provavelmente,
lhe dirá o seu filho... Veio a Cida, toda inocente, desarrumada, despenteada: A Cida era inteligente. Foi ao cabeleireiro, comprou roupas novas, uns chinelos novos, tornou-se mais carinhosa com o Gilberto, preparou as "comidinhas" de que ele gostava... e terminou "reconquistando" o marido. Quando a Mônica voltou de férias, o Gilberto dispensou-a sumariamente. Hoje, Gilberto e Cida são muitos felizes. O filho mais velho formou-se em Engenharia. Nem suspeita de nada. Continua adorando o pai, como os demais irmãos. Mui tas vezes penso o que teria acontecido a essa família se o Gilberto se tivesse deixado enfeitiçar pelo canto da sereia.É evidente que nem o marido nem a mulher devem permitir esse desgaste. A monotonia densa, pesada, que torna a vida uniforme, insípida, tediosa, insustentável, venenosa, reclama clamorosamente uma renovação. Outra recordação que talvez seja útil. Um amigo veio-me fazer uma confidência sobre as "amarguras" do seu casamento: - A Elizabeth está esquisita, anda queíxando-se continuamente de stress; sente-se abafada dentro de casa; diz que não tem horizontes... - Mas ela era alegre, animada, esportista... Por que você não tem a coragem de perguntar-lhe à queima-roupa: "Que você gostaria de fazer um dia qualquer deste mês? Diga, por favor, rapidinho"... Ele fez a experiência e ficou "bobo": Renovar-se ou morrer, dizem os franceses; é preciso superar
essa seqüência cinzenta de dias e semanas; é mister
uma renovação de idéias, projetos e programas de
vida, introduzindo em cada semana uma pequena novidade, um passeio, um
jantar fora de casa, um "dia azul"... e a cada biênio
um novo roteiro de férias, uma pequena reforma na casa; e, para
as mulheres especialmente, uma renovação da fachada,
do visual, do penteado..., esforçando-se por estar sempre atraentes,
dentro de casa ainda mais do que fora, a fim de conquistar e reconquistar
o seu marido todos os dias. Um caso que ilustra esta verdade. O marido - que já tinha passado
dos sessenta, e ela idem - vinha-me dizendo havia anos que não
suportava mais a mulher, que con viviam, mas trocavam poucas palavras,
e que iam à Missa e faziam as suas orações cada um
por sua conta. Mas ele sofria com esse seu modo de ser, pouco flexível
em questões domésticas, e lutava por vencer-se. Um dia,
porém, chegou com um largo sorriso: "Sabe? Desde há
um mês, voltamos a rezar juntos, minha mulher e eu". Parece
uma bobagem, mas esse gesto comum - rezar juntos - derrubou as barreiras.
No início custou, mas pouco a pouco converteu-se no sinal mais
claro e mais seguro da reversão de uma crise matrimonial que se
vinha arrastando, surda e tristonha, havia décadas. Fonte: "As crises conjugais", Rafael Llano Cifuentes, Editora Quadrante, São Paulo, 2001, pp.70-76 |
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