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Entendendo a Dança 7 |
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Eliana Caminada |
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Império romano de poucas danças
“A concepção de vida, racionalista e intelectualizada dos romanos, sua dificuldade em trabalhar no terreno da imaginação e do êxtase, provavelmente, foram os responsáveis pelo fato de a dança não ter sido entre eles uma expressão artística poderosa. Quando Cícero afirmava que “quase todas as pessoas que se consideram sérias não dançam”, nada mais fazia do que interpretar um temperamento e uma maneira de entender a existência, peculiar àquele povo.” Eliana Caminada1
A divisão deste capítulo em três períodos leva em consideração apenas a própria história da dança dentro da civilização romana. No primeiro (compreendendo a monarquia e parte do primeiro período republicano, aproximadamente 754 a 200 a.C.), mencionam-se danças corais de homens que pertenciam a corporações e procissões primaveris de sacerdotes destinadas à purificação dos campos, além de danças fúnebres, de flagelação e de armas. As danças de armas eram executadas em março, em honra ao deus Marte, por sacerdotes guerreiros denominados “ salii ou saliens ”. Nelas praticava-se o “ tripudium ”, uma tripla batida dos pés no chão repetida por três vezes. Mas a dança em Roma teve exíguo interesse místico; o que agradava ao público eram as lutas entre gladiadores ou dos gladiadores contra animais ferozes, em espetáculos marcados pela bestialidade, realizados em enormes arenas como a do Coliseu. Paradoxalmente, as tragédias de Sófocles e Eurípedes traduzidas para o latim pelo ator Lívio Andrônico (284-204 a .C.) faziam sucesso. Andrônico ficou célebre, não apenas pelas traduções, mas principalmente pela sua contribuição ao desenvolvimento da pantomima romana, uma herança da Grécia que em Roma atingiu seu ápice. Do segundo período (compreendendo o fim da primeira república e parte da segunda, iniciando-se por volta de 200 a .C.), vale citar a “ bellicrepa ”, dança cuja criação foi atribuída a Rômulo, o fundador da cidade de Roma, e que simbolizava o rapto das sabinas. O tema, lendário, chegou a nossos tempos e popularizou-se. EM 1954, ainda no auge dos musicais de Hollywood, Michael Kidd coreografou o famoso “Sete noivas para sete irmãos”, filme – que recomendamos - inspirado exatamente no rapto das sabinas, com danças lindas e excelentes atuações, com destaque para Russ Tamblyn2. Dos atores etruscos denominados “histriônicos”, provieram as “ambarválias”, danças realizadas ao redor dos campos no mês de maio com a finalidade de pedir aos deuses boas colheitas. A dança se tornou, por essa época, mais importante na vida pública de Roma. Jovens de ambos os sexos passaram a ir à escola estudar dança, agora promovida à condição de requisito social. A tentativa, em 150 a .C., de fechar essas escolas revelou-se inútil. Mesmo estranha à sua natureza, Roma não conseguiu resistir ao apelo de uma arte inerente a todos os povos. O terceiro período (Império, aproximadamente 27 a.C.) ficou marcado, sobretudo pela madura pantomima grega, ou seja, uma ação dramática sem palavras. Em pouco tempo construíam-se teatros já de estilo arquitetônico romano. O primeiro foi o Teatro de Marcello, erigido por Augusto em 11 a.C., com capacidade para 20.000 pessoas. Arredondado, tinha a forma de uma meia lua, onde se instalava o público, ficando o palco na outra metade, dando nascimento ao prédio teatral que hoje conhecemos como Teatro Italiano, o teatro padrão. Nele, no teatro, encenava-se, em geral, “ buffonerias ”, peças onde as danças eram apenas solos e os coros não existiam, até pela economia necessária a um Império em guerras contínuas que esgotavam o erário público. O teatro clássico religioso desapareceu dando lugar ao “panem et circensis ”, maneira mais conveniente de enganar uma população exausta e empobrecida. Nesse ínterim, as danças apresentadas nos banquetes por jovens belas e puras foram se deturpando; o caráter licencioso das apresentações predominou provocando reações negativas por parte das primeiras comunidades cristãs e dos próprios romanos, zelosos de seus austeros costumes herdados da Antigüidade. A conseqüência desse comportamento deturpado foi grave na medida em que gerou nos cristãos uma desconfiança que acabou por percorrer os mil anos que durou a Idade Média. E que talvez ainda não tenha sido universalmente superada. Em linhas gerais, admite-se que não faltou à civilização romana a herança dos ritos das velhas religiões pagãs, sobretudo a egípcia, assim como da religião monoteísta judaica. Os cânticos e danças com os quais esses povos veneravam seus deuses influenciaram a arte romana e estenderam-se às primeiras comunidades cristãs que, ainda sem ritos próprios ou liturgia com normas fixadas, adotaram-nas, adaptando-as para seus próprios cultos. Pareceu normal (e foi) para os primeiros cristãos manter as belas movimentações simbólicas herdadas dos hebreus, dentre as quais as rondas solenes em volta dos altares tendo ao centro o próprio bispo, ou procissões semelhantes às de Osiris. A adaptação de cultos, como os que representavam anjos dançando em círculo enquanto louvavam a Deus, deram origem às árias dançáveis, isto é, salmos interpretados numa linguagem rítmica e acentuada. Com o tempo, até as manifestações populares dançadas e cantadas oriundas de festas pagãs passaram a integrar, definitivamente, o calendário das festas do cristianismo. Exemplo disso foram as saturnálias, originalmente danças agrícolas ou de fecundidade realizadas em dezembro, ocasião em que, protegidos pelas máscaras, os cristãos podiam confraternizar nas ruas sem receio de serem reconhecidos, num costume ao qual se denominava “convivência”. Sobre os trajes, sabe-se que os atores romanos usavam uma placa metálica na sola dos pés que servia como marcador de ritmo. O espetáculo era acompanhado por música do princípio ao fim. Os trajes, bordados a ouro, eram vistosos e caros mas sumários, distantes das vestes despojadas e austeras dos jograis gregos que lhes inspirara a arte teatral. No rosto os mimos alternavam, ou máscaras ou maquiagem com fundo branco; tecidos esvoaçantes eram utilizados para sugerir efeitos cênicos do tipo, fogo, asa, ou outros, gosto significativo para um povo extremamente racional, que se divertia em participar das danças imitativas. Por tudo isso, o grande legado de Roma foi a pantomima. Resistindo aos novos tempos, a arte de falar utilizando-se de gestos em lugar de palavras cristianizou seus temas, conseguindo assim resistir à desconfiança da Igreja sem desaparecer. Os chamados menestréis, assim como os jograis, cumpriram o importante papel de difundir pela Europa, ao longo de toda a Idade Média, as velhas lendas oriundas de antigas civilizações. A pantomima, mantida como arte viva e independente, exerceu enorme influência no ballet e no teatro, originando o extraordinário estilo de teatro popular denominado Commedia dell'Arte , propiciando a revolução artística da dança preconizada por Jean-Georges Noverre no século XVIII e lançando-se na vida contemporânea através de mímicos como Marcel Marceau3, Jean Louis Barrault 4 e Charles Chaplin5 , entre outros. A dança como êxtase, com sua capacidade de realçar artisticamente a abstração e a imaginação, permaneceu distante da sociedade romana, de tendência intelectual e realista. Representativas de Roma foram ainda as bacanais e as lupercais. As bacanais, executadas em honra a Baco, correspondente latino de Dioniso, identificavam-se pelo caráter orgíaco mas, como já foi mencionado, de Dioniso só ficou a forma, não o espírito que movia o povo grego; as lupercais, em honra do fauno Luperco, eram celebradas em fevereiro e tinham um caráter purificatório, com sacrifício de animais, sangue, leite, muita gargalhada e uma procissão enlouquecida em torno do monte Palatino, na qual os participantes quase nus, flagelavam as mulheres com o objetivo de torná-las fecundas. Nos primeiros trezentos anos da nossa era foi divergente a posição da Igreja Cristã: São João Crisóstemos e São Basílio fizeram lindas menções ao caráter sagrado da dança, enquanto Santo Ambrósio a proibiu em todas as suas dioceses.
1Caminada, Eliana, História da Dança – Evolução Cultural. Sprint, 1999. 2 Tamblyn celebrizou-se também, entre outros papéis no cinema, como o Polegar em “O Pequeno Polegar” e como o chefe da gang dos Jets em West Side Story, obra-prima da cinematogafia hollywoodiana, musical cuja coreografia e produção renderam vários Oscar ao coreógrafo norte-americano Jerome Robbins. 3 Extraordinário mímico francês(1923). Num de seus números mais famosos, O Fabricante de Máscaras, Marceau “colocava e retirava” máscaras com várias expressões distintas e contrastantes. Num determinado momento o fabricante não conseguia retirar uma das máscaras, justamente uma das que tinha expressão jocosa. A partir desse momento, com o corpo inteiro, mas com o rosto imóvel, ele transmitia as sensações de pressa, impaciência, irritação, angústia, sufocação, desespero, etc. Jamais pude esquecer a atuação daquele grande artista que atuava absolutamente sozinho, com o rosto pintado de branco no palco do Municipal do Rio. 4 Outro fantástico mímico e ator francês (1910-1994). Suas atuações são muito bem lembradas no livro “Fábrica de Ilusões”, de autoria do ator Sérgio Britto 5 (1889-1977) O inglês Charles Chaplin foi o criador célebre personagem tragicômico Carlitos, para muitos o maior da galeria de personagens criados no cinema. Até hoje, a extraordinária obra de Chaplin agrada e emociona todas as gerações. Dentre seus filmes mais famosos citem-se “Tempos Modernos” e “O Grande Ditador”. |
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Eliana Caminada
é Orientadora e consultora, escreveu
vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas
História da Dança e Técnica de Ballet Clássico
no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto
"Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste
Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação"
e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras
de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile
do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé
Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal
de Munique". e-mail: e.caminada@gmail.com |
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