Portal da Família
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Triste de quem vive em casa! |
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Eduardo Gama |
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Outro dia estava escutando uma canção, que por sua vez lembrou-me um poema. A letra da música diz, numa tradução aproximada, que “viver não é tentativa, apenas sobrevivência, se você se mantém longe do fogo”. Manter-se longe do fogo é uma metáfora para as dificuldades inevitáveis que a busca de um ideal comporta. E nossa época desistiu de sonhar. A letra da canção continua enumerando as atitudes atuais que louvamos: “chamamos de legal àqueles que não têm cicatrizes para mostrar”, “chamamos de fortes àqueles que parecem andar por conta própria, que nunca caem”. Embora a canção já tenha alguns anos, lembro-me de ter assistido o clip. Mostrava um jovem com síndrome de down que tem como sonho correr nas competições escolares. Treina contra a vontade da família, esforça-se durante um longo tempo Chegada a hora da corrida, após alguns metros, tropeça e dá de cara na terra. A cena é cruel: os pais saem correndo da arquibancada, pois o rosto do filho está ensangüentado. Após algumas censuras, vemos um sorriso em seu rosto e o clip termina. É belo porque mostra exatamente o que a letra da música quis passar. Um sonho não é certeza de sucesso, mas a possibilidade de fracasso. Melhor ainda: é a tentativa de superar a própria fragilidade, inerente à condição humana. Por que deixamos de sonhar? Porque temos medo do fracasso: “o que estraga a felicidade é o medo”, escreveu Clarice Lispector. O poema a que me referi no início é Quinto Império, de Fernando Pessoa. Em uma linguagem típica dos profetas do Antigo Testamento, lança imprecações a nós:
Provavelmente o poema se remete aos homens das épocas das navegações portuguesas, que abandonavam tudo por um sonho de glória, riqueza e a dilatação da fé cristã. Esses três objetivos não estavam separados como hoje nos querem fazer acreditar: a glória e a riqueza adviriam da conquista de territórios que por sua vez seria português e cristão. Sonhavam. Só que o sonho não é igual à realidade, pois esta última dói. Mas, como diz outro poema de Pessoa “quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor”. Bojador é um cabo situado no Saara Ocidental. À época das navegações portuguesas, acreditava-se que, quem tentasse passá-lo morreria: em 1434, o navegador Gil Eanes conseguiu a travessia, após diversas tentativas frustradas. Foi armado cavaleiro pelo infante D. Henrique, teve seu nome sempre citado nos livros de história, de poesia. Qualquer realista extremado pode dizer que é bom sonhar, mas é um passatempo dos idealistas, dos que não sabem sobre as dificuldades da vida e que o melhor é não se arriscar. Para este tipo de pensamento é que Pessoa lançou a sua “maldição”, chamando-o de triste. É triste porque desistiu da viva, está contente com o que é, sendo que uma das características do ser humano é o descontentamento consigo, que o leva sempre a querer mais. Certo. Aprendemos que não se deve ser irresponsável e partir em busca de um sonho. Mas esse é o outro extremo. O que se quer dizer aqui é que a vida de cada dia nos lança desafios talvez maiores do que se lançar por “mares nunca dantes navegados”. Ter uma família feliz, por exemplo, e não apenas “sadia”, é um grande desafio. Ser melhor profissional é um grande desafio. Ser melhor esposo ou esposa é um grande desafio. Parece não ser tão empolgante quanto atravessar o Bojador? Talvez porque falta tentar sem esmorecer. Porque nada pior para um sonho, desses de que falamos, quando ele é abandonado porque eram “idéias de juventude”. Esses sonhos serão amargura, enquanto os sonhos vividos serão muita coisa e nessa “muita coisa” está a paz e a alegria de se saber que o mar é por ali, que o caminho é esse mesmo.
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Eduardo Gama, professor de redação e literatura em Jundiaí e Campinas. Mestres em Literatura pela USP, tradutor, jornalista e publicitário. É autor do livro de poemas "Sonata para verso e voz" e editor dos sites www.doutrinacatolica.com.br e www.revisaoetraducao.com.br e-mail: redator@portaldafamilia.org |
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