Lendo um ensaio do prof. Segismundo Spina, encontrei a análise da poética
renascentista. Dizia o professor que um dos dilemas dessa poética era o daarte moral x arte imoral, da arte que pretende ensinar contra a arte que não
quer ensinar nada.
Saltando um pouco no tempo, percebemos que os Românticos
viram como missão da arte ser moral, aqui entendida como mais do que ética,
missão social.
Com o fim das utopias no decorrer do século XX, o dilema parece ter se
encerrado. Os teóricos e artistas por fim proclamaram: "nem arte pura, nem
arte social: a arte não tem qualquer finalidade, é inútil". Porém, essa
constatação não acabou com o dilema, pois trata-se de pender o prato da
balança (com uma rocha) da arte pura. Pois proclama-se em alto e bom som que
não só a arte prescinde de qualquer finalidade social como também de
qualquer outra finalidade. Ou melhor, se há qualquer finalidade, é apenas
fruição estética, prazer intelectual ante a obra criada. Talvez por isso a
arte do século XX tenha voltado as costas para o público, visto que este
anseia por representações do real na obra de arte, e não por exibições de
técnica.
Portanto, o dilema continua: arte deve ter uma conotação moral ou não? No
Renascimento, como dissemos, acreditava-se que sim. Como entendiam a moral?
Os maus deveriam ser punidos e os bons recompensados. O problema é que
quando a arte quer ser "moral" no sentido de educar, acaba por ser didática
e, pior falsa. Se não vejamos: uma arte que tem como objetivo pré-concebido
mostrar que os maus devem ser punidos e os bons recompensados só poder ser
representação do real se estivermos falando sobre A Divina Comédia. De
resto, sem querer ser pessimista, o mundo está repleto de exemplos em que os
maus são recompensados e os bons punidos.
Por outro lado, arte que nega a importância de valores morais na obra
igualmente tende a ser pedagógica. Quer ensinar que a virtude pouco importa,
basta apenas seguir o coração - em uma poética mais sentimental- ou seguir o
impulso do momento, seja lá qual for - poética mais "moderna" -, pois a
finalidade da vida é ela não ter finalidade. O que também acaba por ser
irreal, pois se a virtude pouco importa, a felicidade idem, pois jamais,
para usarmos um assunto da moda, um corrupto pode ser feliz. Rico talvez,
ter paz, jamais.
O que vemos é o beco, para utilizar indevidamente Manuel Bandeira? Não, pois
arte - e aqui entramos em um assunto que não diz mais respeito à arte, mas a
filosofia da arte - é antes de tudo formar. Um artista é artista não porque
seja santo ou devasso, mas porque tem o talento e a técnica para formar um
conteúdo, seja um concerto para piano, seja uma escultura ou um poema. Ele
sabe como fazer o que aqueles que admiram a arte não supõem como.
É o artista que imprime, como uma marca, um selo da sua pessoa, a oralidade
ou imoralidade de uma obra. É o que parece dizer o filósofo Luigi Pareyson,
no livro Os problemas da estética: "Há uma moralidade intrínseca e
constitutiva do fato artístico, que é a responsabilidade com a qual o
artista escolhe a arte, para si, como uma tarefa, o empenho e a dedicação
com que a realiza e os deveres inerentes a esta mesma atividade. Todas estas
são condições para o êxito artístico" (p. 50).
Conseqüentemente, a arte será imoral ou moral devido à concepção ética do
artista. Nesse aspecto é que parece ser difícil sustentar a posição de que a
arte é inútil, pois ela sempre traz consigo a concepção de mundo do artista.
Por ora, paremos por aqui.
|
Ver
outros artigos da coluna
|