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Eduardo Gama

Coluna "Poemas e Canções"

Arte moral x Arte imoral: falso dilema (I)

Eduardo Gama


Lendo um ensaio do prof. Segismundo Spina, encontrei a análise da poética renascentista. Dizia o professor que um dos dilemas dessa poética era o daarte moral x arte imoral, da arte que pretende ensinar contra a arte que não quer ensinar nada. 

Saltando um pouco no tempo, percebemos que os Românticos viram como missão da arte ser moral, aqui entendida como mais do que ética, missão social.

Com o fim das utopias no decorrer do século XX, o dilema parece ter se encerrado. Os teóricos e artistas por fim proclamaram: "nem arte pura, nem arte social: a arte não tem qualquer finalidade, é inútil". Porém, essa
constatação não acabou com o dilema, pois trata-se de pender o prato da balança (com uma rocha) da arte pura. Pois proclama-se em alto e bom som que não só a arte prescinde de qualquer finalidade social como também de qualquer outra finalidade. Ou melhor, se há qualquer finalidade, é apenas fruição estética, prazer intelectual ante a obra criada. Talvez por isso a arte do século XX tenha voltado as costas para o público, visto que este anseia por representações do real na obra de arte, e não por exibições de técnica.

Portanto, o dilema continua: arte deve ter uma conotação moral ou não? No Renascimento, como dissemos, acreditava-se que sim. Como entendiam a moral?

Os maus deveriam ser punidos e os bons recompensados. O problema é que quando a arte quer ser "moral" no sentido de educar, acaba por ser didática e, pior falsa. Se não vejamos: uma arte que tem como objetivo pré-concebido mostrar que os maus devem ser punidos e os bons recompensados só poder ser representação do real se estivermos falando sobre A Divina Comédia. De resto, sem querer ser pessimista, o mundo está repleto de exemplos em que os maus são recompensados e os bons punidos.

Por outro lado, arte que nega a importância de valores morais na obra igualmente tende a ser pedagógica. Quer ensinar que a virtude pouco importa, basta apenas seguir o coração - em uma poética mais sentimental- ou seguir o impulso do momento, seja lá qual for - poética mais "moderna" -, pois a finalidade da vida é ela não ter finalidade. O que também acaba por ser irreal, pois se a virtude pouco importa, a felicidade idem, pois jamais, para usarmos um assunto da moda, um corrupto pode ser feliz. Rico talvez, ter paz, jamais.

O que vemos é o beco, para utilizar indevidamente Manuel Bandeira? Não, pois arte - e aqui entramos em um assunto que não diz mais respeito à arte, mas a filosofia da arte - é antes de tudo formar. Um artista é artista não porque seja santo ou devasso, mas porque tem o talento e a técnica para formar um conteúdo, seja um concerto para piano, seja uma escultura ou um poema. Ele sabe como fazer o que aqueles que admiram a arte não supõem como.

É o artista que imprime, como uma marca, um selo da sua pessoa, a oralidade ou imoralidade de uma obra. É o que parece dizer o filósofo Luigi Pareyson, no livro Os problemas da estética: "Há uma moralidade intrínseca e constitutiva do fato artístico, que é a responsabilidade  com a qual o artista escolhe a arte, para si, como uma tarefa, o empenho e a dedicação com que a realiza e os deveres inerentes a esta mesma atividade. Todas estas são condições para o êxito artístico" (p. 50).

Conseqüentemente, a arte será imoral ou moral devido à concepção ética do artista. Nesse aspecto é que parece ser difícil sustentar a posição de que a arte é inútil, pois ela sempre traz consigo a concepção de mundo do artista.

Por ora, paremos por aqui.



 

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Eduardo Gama, professor de redação e literatura em Jundiaí e Campinas. Mestres em Literatura pela USP, tradutor, jornalista e publicitário. É autor do livro de poemas "Sonata para verso e voz" e editor dos sites www.doutrinacatolica.com.br e www.revisaoetraducao.com.br

e-mail: redator@portaldafamilia.org

Publicado no Portal da Família em 14/11/2006

 

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