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Eduardo Gama

Coluna "Poemas e Canções"

O hotel dos vícios e das virtudes

Eduardo Gama


Acredito, e essa é uma opinião bastante pessoal e nada técnica, que as melhores canções de bandas de rock dizem respeito ao vício de drogas. Não estou dizendo que todos os roqueiros sejam drogados, mas sim que suas letras mais felizes versam sobre a dependência. Duas, aliás, sempre me chamaram a atenção: Hotel California, dos Eagles e Wasted Time, do Skid Row.

Por que estou falando sobre drogas e música, pois para alguns é uma apologia ao vício? Nas canções citadas não há apologia, pelo contrário, há catarse. Explico-me. De acordo com Aristóteles, os espectadores sentiam uma purificação de seus próprios dramas e vícios ao contemplar uma obra de arte como a tragédia, por exemplo. Ao enxergar, à distância, uma situação dolorosa, poderiam sentir compaixão por aquele que sofre e alívio por ver que há males maiores que os seus. É que a realidade, quando contemplada, pode ser entendida melhor do que a vivenciada, a sentida na pele. Voltando às canções, pode-se dizer que também acontece a catarse. Não apenas para quem vive ou viveu o drama de ser dependente, mas por todo aquele que carrega consigo um vício, ou seja, quase todo mortal sobre essa terra que possui um mínimo de conhecimento próprio.

As duas músicas citadas apontam para pontos de vista diferentes. A dos Eagles, Hotel California, conta como se entra no mundo das drogas, nesse Hotel California: indo em busca de distração a uma vida vazia, acaba por entrar neste mundo à parte, no Hotel California, no mundo das drogas, no qual, como diz a letra todos são "prisioneiros da própria vontade". A mesma metáfora, prisão, é utilizada adiante. Ao querer deixar o hotel, ou seja, o vício, ouve que o hotel é preparado para receber pessoas e que qualquer um pode entrar, mas sair jamais.

A outra canção, devo dizer, toca-me mais profundamente. O narrador, por assim dizer, é um amigo que vê o outro se afundar no vício e canta um desabafo. A letra começa falando sobre a amizade de ambos como um laço sagrado e que, por isso, não pode mentir mais para si mesmo e vê-lo "morrendo a cada dia". Em seguida, recorda-se dos tempos em que ambos sonhavam juntos, projetando o futuro e o amigo dizia que nunca desapontaria o outro, mas acaba entrando nas drogas. A metáfora para o vício é bela e forte: "o cavalo cavalga e se enfurece em nome do desespero". Então, diz ao amigo dependente: "você pode conviver consigo mesmo quando pensa sobre o que deixou para trás?" Daí o título da canção, Wasted Time, tempo perdido. É triste, pois descreve o amigo como um solitário, como uma "carcaça procurando por uma alma"e questiona-o, pergunta essa que penso ser o cerne do vício: "por que você não consegue acreditar que pode ser amado? Finalizando, a letra diz, em tom desolador "nunca pensei que você deixaria que isso fosse tão longe".

Uma canção descreve o dependente como prisioneiro, a outra, como um morto. Voltemos à idéia de catarse. Se fosse apenas pelo vício, poderíamos nos compadecer ao ouvi-las. Contudo, podemos ir mais além e pensar que a base de qualquer vício é a mesma. Já não falo de drogas e álcool, por exemplo, mas dos nossos vícios cotidianos, que muitos hoje em dia não dizem ser vícios, mas "o meu jeito": "sou estourado mesmo", "sou devagar", "gosto de curtir a vida", são eufemismos que acabam por falsear a verdade. O melhor seria dizer que é irado, que é preguiçoso, que é sensual e assim por diante. Mas é difícil confessar um vício. Por isso penso ser uma hipocrisia ou uma total falta de conhecimento próprio imaginar que pessoas com esse tipo de vício, como as drogas, só são dependentes porque não são tão boas como nós. Porque o contrário da virtude é o vício e se poucas pessoas há que sejam modelos de virtudes, a conclusão óbvia é que há muitos viciados. A virtude é uma hábito bom, o vício, um mau.

Talvez por esse motivo, essas canções produzem em mim não uma catarse distante de quem apenas se compadece com o mal alheio. Faz-me refletir que o vício é sempre a falta de algo, uma virtude que falhou e não algo gostoso, mas proibido, como se costuma dizer em relação à ética. Faz-me refletir que entre o Hotel California, que bem deve ter sete quartos, os vícios capitais, o Hotel da Virtude é mais modesto, mas muito melhor; que a vida é muito curta para ficar chorando o Tempo Perdido.

 

Letra em inglês de Hotel California:

http://the-eagles.letras.terra.com.br/letras/63266/

Letra em inglês de Wasted Time

http://skid-row.letras.terra.com.br/letras/69809/




 

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Eduardo Gama, professor de redação e literatura em Jundiaí e Campinas. Mestres em Literatura pela USP, tradutor, jornalista e publicitário. É autor do livro de poemas "Sonata para verso e voz" e editor dos sites www.doutrinacatolica.com.br e www.revisaoetraducao.com.br

e-mail: redator@portaldafamilia.org

Publicado no Portal da Família em 11/01/2007

 

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