Catarina chegou na Páscoa. A visita fora combinada meses antes: o dia, o horário da chegada, o que trazer. Tudo como dita a sagrada organização suíça, pois ela nasceu e mora em Zurique. Trouxe o filhinho quase bebê e uma vontade enorme de conversar durante dez dias, sem pressa e pessoalmente, celebrando a velha amizade aquecida mesmo à distância.
Nunca me intimidei com as diferenças que até nos unem, mas que poderiam nos separar tanto quanto os Alpes, a França e o Canal da Mancha isolam os suíços dos ingleses. Mas tive uma nesga de receio do que ela acharia dos nossos costumes multiculturais. Como o de ler os jornais todos os dias espalhando-os na mesa durante o café da manhã. Às vezes, a pontinha da página dois até mergulha de leve na manteiga.
Quando estive em sua casa, fui recebida como a amiga mais querida: quarto só para mim livre do frio, graças a um estranho aquecedor a lenha do século retrasado: tinha o formato de um fogão, porém era comprido e munido de umas perninhas que pareciam ter sido roubadas de algum inseto pré-histórico.
A Suíça é um lugar de estranhos silêncios. Parece que há um certo cuidado, um "não incomode ninguém" flutuando pelas esquinas. A casa da Catarina também é assim, o ar é limpinho e cheira a perfume e silêncio respeitoso, o que não tem nada a ver com falta de alegria. Uma vez ela me disse uma frase, nunca a esqueci. Sua teoria pode não resumir o que todo conterrâneo seu pensa da vida: "Não temos capacidade de improvisar nada porque não temos imprevistos. Se algo sai errado ou não foi planejado, simplesmente não sabemos lidar com isso". Pensei em meus rodopios tão brasileiros, balancei a cabeça e achei melhor não tentar explicar a ela a minha noção do imprevisível.
Porém, na Inglaterra, a visita foi à moda suíça, ou seja, a estadia da Catarina em Londres foi exatamente como eu imaginei: o gato fez xixi no carro logo no primeiro dia; assados passavam do ponto no forno e a fumaceira na cozinha disparava o alarme de incêndio (para silenciá-lo, só abanando o dispositivo no teto com o pano de prato, sem parar, por cinco minutos). Ela assistia à cena e balançava a cabeça com um sorriso. Além disso, o entra e sai constante de amigos e parentes na casa deixava a pobre turista meio zonza. Para completar, seu filho, comilão precoce, foi mergulhado em situações que ela evita com todos os esforços em seus próprios domínios: brinquedos a pilha, jornadas em metrô lotado, refeições com a TV ligada ao fundo, chocolates a toda hora. Este foi o cenário das férias da Catarina. Claro, houve também o Big Ben, o Aquário, o Zoológico de Regent's Park com seus três elefantes tristonhos, os teatros em Shaftesbury, os concertos. E intermináveis conversas risonhas no jardim.
Dez dias se passaram e o nosso mundinho meio caótico não a horrorizou tanto. Depois das lágrimas no aeroporto, veio o telefonema lá de Zurique:
- Amiga, venha logo me visitar. Aqui está tudo tão quieto! Prometo comprar uns jornais ingleses para vocês todas as manhãs. E você pode, sim, ler na mesa, se quiser…
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Inês Rodrigues é jornalista,
tradutora e mãe de dois filhos. Atuou nas editorias de artes e música
em diversos veículos da imprensa brasileira como Jornal da Tarde, Editora
Globo, Rádio Gazeta e Fundação Padre Anchieta. Há
6 anos fora do Brasil, já viveu na Itália e Inglaterra, e atualmente
mora em Nova York.
e-mail: ines_rodrigues@hotmail.com
Publicado no Portal da Família em 03/04/2007 |
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