Portal da Família
|
||||||||||||||||||||||||||||
|
|
||
Entendendo a dança 11 O BALLET SE TORNA “CLÁSSICO” |
||
Eliana Caminada |
||
Morto Lully, várias décadas se fizeram necessárias para que um sucessor à altura surgisse no panorama da dança. André Campra (1660-1744), excelente compositor, não tinha com a dança o compromisso de seu antecessor, ainda que tenha deixado um legado de belas “óperas-ballet”. Na verdade, a morte de Lully deixou um vazio que foi sentido onde quer que se tivesse tentado organizar algo no setor da música e da dança na França. À Academia coube, nesse período, continuar o trabalho de desenvolver a técnica do ballet e dos bailarinos. A arte do ballet se apresentava como algo articulado, responsável pela definição de conceitos. Essa fase de uma arte que já completara um século pode ser denominada “clássica”, no sentido de que seu desenvolvimento foi inteiramente voltado para o domínio de uma técnica virtuosística e racional, e porque as regras imutáveis dos ballets de corte, com seus passos e trajes das danças de salão, já faziam parte de uma tradição. A francesa Marie Sallé estreou na Ópera de Paris em 1727. Mais fina que viva, mais graciosa que ligeira, mais mimosa que virtuosa, ela foi uma bailarina nobre, de estilo simples, harmonioso, contido e extremamente expressivo. À nova escola de virtuosismo ela opôs o prestígio da maneira clássica já tradicional. Contudo, causou escândalo em Londres, ao aparecer livre de panos e perucas, com o cabelo desalinhado, vestindo uma simples túnica de musseline drapeada e ajustada, baseada no modelo de uma estátua grega. Segundo alguns autores, Isadora Duncan se inspirou na Sallé para mostrar ao mundo a sua dança grega, pura e semi-despida. La Camargo, natural de nasceu em Bruxelas e debutou na Ópera de Paris em 1726, tornando-se imediatamente rival da Sallé. Como intérprete, foi uma representante da concepção italiana de dança, tendo contribuído ao máximo para o desenvolvimento da técnica de virtuosismo. Com a finalidade de executar mais facilmente cabrioles e entrechats, até então só executados por homens, fez encurtar em mais de um palmo a sua saia, o que foi considerado uma ousadia para a época. Brilhante, ligeira, gaiata e dotada de grande musicalidade, a Camargo marcou época, influenciou a moda e ficou como uma página inesquecível na história do ballet. Mas o virtuosismo e a mudança dos espetáculos para teatros não foram suficientes para manter o padrão de qualidade atingido por Lully. Em parte, essa queda se deveu a ele mesmo e a sua paixão maior pela música que pela dança. Além disso, uma nova classe social estava emergindo na França: a burguesia. Os teatros já ostentavam tabelas de preços que, inclusive diferiam entre os espetáculos de dança e os de teatro, apresentados pela Comédie-Française; os últimos eram mais baratos. O formato ballets à entrées, praticado novamente sem sentido, só havia sido mantido por Lully por ser uma tradição aristocrática e amada pelo rei. É nesse quadro que tem início o reinado de Luís XV. Em 1725, o maître-de-ballet Pierre Rameau escreveu um pequeno livro intitulado Le maitre à danser. Esse tratado teve a importância de fixar as normas da dança acadêmica, já firmadas por Pierre Beauchamps, em bases sólidas e que vigorariam até Noverre. Seu principal enfoque enfatizava a posição en dehors dos pés, após o que definiu as cinco posições fundamentais da dança clássica acadêmica, passando por um processo seletivo que remontou à Grécia e ao Egito. Termos antigos (jetés, balancés, battements, coupés e entrechats [1]) apareciam ao lado de outros novos ou já citados. A dança da moda na corte era o minuet, que exigia movimentos requintados, controlados e chiques, que envolviam posições de braços, pescoço, ombros, cotovelos, pulsos e mãos. O ballet foi edificando suas bases de maneira tão duradoura e perfeita, que lhe permitiu evoluir, sofrer contestações e mudanças, mas continuar eternamente, ao que parece, uma forma de expressão artística, que encantou e encanta o mundo todo, em todas as idades, realizando a sensibilidade de milhares de executantes e espectadores, além de proporcionar um desenvolvimento técnico praticamente insubstituível para a maior parte dos bailarinos e dançarinos em qualquer tempo. Enquanto isso, no panorama musical, surgia Jean-Phillipe Rameau, um compositor que já não era jovem e que recebeu sua consagração com a ópera-ballet, de 1735, Les Indes Galantes. Nessa obra, Rameau incorporou um novo elemento, que formou um contraste com os temas pastoris ou mitológicos, já envelhecidos, encenados até então, o exotismo. Imagine-se na época, o deus do amor abandonando a “civilizada” juventude européia, obcecada pela guerra, e partindo para mundos primitivos e ainda pouco conhecidos como a Pérsia e o Peru. Os novos elementos utilizados na peça desagradaram uma parcela de tradicionalistas e puristas; cedo se registrou o surgimento de facções contra ou a favor do novo gênero proposto: lullistas versus ramistas. Um ato dessa bela obra foi reconstituído para a Ópera de Paris em 1950 por Harold Lander (1905-1971) e remontada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1960, tendo nossos primeiros-bailarinos Eleonora Oliosi, Aldo Lotufo e David Dupré (1930-1973) e a bailarina paulista convidada Lia Marques nos papéis principais. Mas o gênero não foi além de 1770 e no final já se confundiam; a única coisa que determinava se o que se estava encenando era uma ópera ou um ballet, era a maior ou menor participação de um ou outro gênero no espetáculo. Os roteiros já não conseguiam sustentar o vínculo que associavam a dança à ação dramática; o tema teatral perdeu sua importância e os ballets voltaram a ser uma suíte de quadros independentes, reunidos por uma vaga analogia de tempo e espaço. O século XX, mais precisamente 1909, assistiu a montagem de uma ópera-ballet verdadeiramente mágica, conquanto, muito diferente do que se supõe, terem sido os espetáculos assim denominados: “O Galo de Ouro”. Tendo estreado em forma de Ópera, no Teatro Bolshoi, essa obra do compositor Nicolaï Rimski-Korsakov (1844-1908), baseada num poema de Alexander S. Pushkin (1799-1837), tomou sua forma definitiva na encenação de Mikhail Fokine com os “Ballets Russes de Diaghilev”, roteiro adaptado de Alexandre Benois (1870-1960) e cenários e figurinos de Nathalia Gontcharova (1881-1962), em 1914. Em 1959, Eugenia Feodorova alcançou enorme sucesso com sua montagem de O Galo de Ouro” para o Theatro Municipal do Rio; em 1963 foi a vez de Tatiana Leskova apresentar uma belíssima versão da mesma obra, segundo a concepção original de Fokine. Não se pode deixar de registrar a magnífica interpretação do grande barítono Paulo Fortes, no papel de Rei Dodon.[1] Movimentos da nomeclatura do ballet. Significam, respectivamente: lançado, valsado, batimentos, cortado, entrelaçado, entrelaçamento dos pés. |
“O Galo de Ouro”. Bertha Rosanova, prima-bailarina absoluta como a “Rainha de Chemakhan” com o “Ballet do Theatro Municipal do Rio”. 1959 |
|
Eliana Caminada
é Orientadora e consultora, escreveu
vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas
História da Dança e Técnica de Ballet Clássico
no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto
"Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste
Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação"
e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras
de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile
do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé
Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal
de Munique". e-mail: e.caminada@gmail.com Publicado no Portal da Família em 23/09/200 |
Divulgue este artigo para outras famílias e amigos.
Inscreva-se no nosso Boletim Eletrônico e seja informado por email sobre as novidades do Portal
www.portaldafamilia.org