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Viver muitos anos
Jacques Leclercq

Segundo a tradição cristã, o mês de novembro é consagrado especialmente aos nossos queridos defuntos. Enfeitam-se as campas de flores, e nas igrejas celebram-se missas pelas almas do Purgatório.

É também tempo de pensar particularmente, não só nos nossos falecidos, mas na nossa morte, na nossa condição humana de mortais e no que isso representa em nossa vida.

“Viver muitos anos”

Numa tarde de Ano Novo, passeava eu pela estrada e, ao passar por uma casa, vi aproximar-se uma família: pai, mãe e dois filhos. Estes corriam na dianteira ao encontro da avó, que saía de casa, e gritavam com toda a força os seus votos de felizes festas. A anciã repetia e completava: “Por muitos anos! Muitos anos de vida!”... E insistia: “Muitos anos de vida!”.

Viver muitos anos... Primeiro viver... Ser feliz quanto possível... Mas o essencial é viver... Só temos uma vida...

Recordo terem-me ensinado, quando eu era menino, que há duas vidas: a presente e a futura depois da presente. Por que se diz então que só há uma vida? Porque toda a gente o diz, até os cristãos.

“Viver muitos anos!”... Não teremos coisas mais importantes para ensinar às crianças? Jesus morreu aos trinta e três anos; Pascal aos trinta e nove; São Tomás de Aquino aos quarenta e nove; Santa Teresa do Menino Jesus aos vinte e quatro; São Francisco de Assis aos quarenta e quatro; Alexandre Magno aos trinta e três. E não parece que tenham sido vidas malogradas. E lembro-me com pesar de certas vidas longas que se apagaram na noite da caquexia.

Não seria mais importante viver bem do que viver muito tempo? É certo que uma coisa não exclui necessariamente a outra. Mas, na verdade, terá grande importância viver muitos anos?

Ainda se fôssemos felizes!

Mas também a felicidade não é o fim da vida. Devemos esforçar-nos por ter vida bela ou vida feliz?

Uma vida longa muito confortável, num estado de semi-consciência, ao abrigo de todo o perigo e de toda a emoção forte, poder-se-á chamar vida bela? Consistirá nisso a felicidade?

Viver bem!

O nosso tempo perturbado é próprio para estas considerações. A bem dizer, quase nos obriga a isso. A morte, que noutros tempos parecia abstrata aos que tinham saúde, tornou-se ameaça constante.

...

Perigos na terra, perigos no ar, perigos ao mar. Não há segurança em parte alguma. O melhor é encarar a morte de frente.

Custa muito morrer e parece que não custa menos morrer tarde. Viver muito tempo é simplesmente morrer mais tarde.

Talvez fosse melhor não morrer, mas já que todos temos de dar o passo fatal, será realmente importante dá-lo um pouco mais tarde?

Pelo menos não é mais fácil, porque os que costumam assistir aos moribundos, dizem que os velhos aceitam a morte mais dificilmente do que os novos.

“Viver muitos anos!”. Mas a vida nunca é longa. Lembro-me de uma velha tia que tinha mais de oitenta anos e me afirmava: “Dizem que sou velha, mas quando me recordo da minha infância, parece que foi ontem”. E o cardeal Mercier, com 74 anos, à hora da morte, dizia aos seus familiares que era duro partir, quando havia ainda tanto que fazer neste mundo...

O que é curto não é viver mais ou menos anos: é estar no tempo, ser finito, quando se têm aspirações de infinito, ter um fim quando não se deseja terminar e quando se sabe o que é terminar.

Os animais não o sabem; acabam sem o saber, e a aspiração da maior parte dos nossos contemporâneos é acabar como os animais. O primeiro cuidado dos que assistem aos doentes consiste em despertar neles a consciência do seu destino eterno.

O nosso tempo fez um esforço imenso para prolongar a vida, e conseguiu-o. A duração média da vida do homem duplicou desde há meio século, nos nossos países. Não custa tanto morrer? Terão os homens menos medo? Nunca tiveram tanto.

É sempre demasiado cedo para morrer. Parece que quanto mais se vive, mais se deseja viver. Prolongar a vida não resolve nada.

Aquele que vive oitenta anos, não julga ter vivido mais do que aquele que viveu vinte, e se o homem pudesse viver cem ou duzentos anos, a situação seria a mesma.

Seja qual for o dia em que a morte se apresenta, o homem dirá sempre: “Já?”.

Só temos uma vida; é verdade, em certo sentido pelo menos. Só temos uma vida neste mundo para a empregarmos bem. Mas o emprego da vida é diferente da sua longevidade. “Viver muito tempo?”. Não. Viver bem.

Uma vida bem empregada pode ser breve. Uma vida mal empregada pode ser longa. A infelicidade não consiste em morrer jovem, mas em morrer mal.

E mais ainda: a infelicidade é viver mal.

Não que tenhamos o direito de nos matar, mas temos obrigação de trabalhar em tudo quanto seja da vontade de Deus. Pode suceder que no desempenho da nossa missão a vida seja abreviada.

...

Viver muitos anos? Não, viver bem, ter vida feliz e ter a consciência, à hora da morte, de se ter sido servo bom, de se ter feito frutificar em frutos de eternidade os talentos recebidos. Aqui os talentos são os anos da vida: uns recebem mais, outros menos, mas a recompensa será para todos os que utilizaram a existência na proporção do que receberam.

...

A vida longa é um bem, contanto que seja fecunda em sabedoria e boas obras, porque o valor da vida se mede mais pela sua fecundidade do que pela sua longevidade. Cada qual deve aspirar mais a uma vida bela do que a uma vida longa.

É preciso semear ainda para a eternidade em nós. E nós semeamo-la em nós quando a semearmos no mundo, entre nossos irmãos.

arvore

Jacques Leclercq - Sociólogo, professor da Universidade de Lovaine, membro da "Libre Academie de Belgique".

Extraído do livro: Valores cristãos, 2ª Ed., Editora Quadrante, São Paulo, 1987.

 

Publicado no Portal da Família em 31/10/2007

 

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