Esse texto foi feito em homenagem ao Maestro Silvio Barbato, que desapareceu no vôo AF 447 da Air France em junho de 2009 . Lamentável a lacuna deixada por um artista apaixonado por ópera, maestro de personalidade forte e temperamento apaixonado, com que tive a oportunidade de conviver em grandes momentos musicais, de muita realização e emoção, tendo-o como regente.

O grande mistério da vida encontra-se definitivamente no despertar do mundo invisível?

Um mundo encarado com a cerimônia temerosa do desconhecido, talvez resguardado pela única realidade da existência?

Um mundo que nos ronda e envolve de um modo especial, ao mesmo tempo de grande dificuldade para se perceber como um doce reparador da finitude humana.

Para o Maestro Verdi havia uma certa inquietação não do fim, mas uma conotação diferenciada. Maestro Verdi prefere acreditar num mundo invisível, próximo à sua realidade de vida, então vale dialogar num longo percurso de luta, coragem, indagações e até conflito.

Tempo de Réquiem, tempo de descanso... no sono reparador onde passeio e reencontro a mim mesmo. Minha música, minha arte, minha descoberta para viver, minha alternativa pra não perecer.

Neste momento o único som que se escuta é o som da própria consciência, aqui termina uma etapa... Deus se faz onipotente e a humanidade silencia.

Ar cerimonioso de contemplação, instrumentos e vozes cúmplices da fatalidade envolvente na plenitude de luz perpétua. Descanso eterno, é preciso crer que Deus está me ouvindo nesse momento de tão doloroso afastamento de meus parentes, filhos, amigos, projetos.

Não sei... como acreditar no que não tem resposta e nem como comprovar,mas espero que a minha arte seja a minha resposta para esse momento de tão dilacerante dor para eles que ficam,mas olhem, minha arte fica com vocês ao mesmo tempo que segue esse percurso comigo.

Verdi desconfiava do destino, que já o havia feito sofrer muito pelas perdas que teve de superar,neste momento não dá mais pra calar, é hora de expor toda essa dor contida, nas vozes internas da multidão inerte que como ele perplexa pelo desaparecimento repentino do seu discípulo.

Livra-me da morte eterna, livra-me de minhas imperfeições, livre-me da morte de mim mesmo, livre-me do meu egoísmo e soberba.

Livra-me de um julgamento injusto que mata os sonhos, que corrói os sentimentos e privilegia a indiferença.

Livra-me, Senhor, da morte eterna para que minha música entoe o coração dos homens; num hino de humildade e amor, eu desejo estar convertido a teu lado para redimir junto aos meus. .

Repito com complacência, kyrie eleison, Christe eleison, é impossível uma dor fazer coro e não ser solucionada, vozes se entrelaçam num pedido , quase implorado, Senhor, piedade do homem...

Mas é impossível se conformar com esse desaparecimento, por que dessa forma?

Dia de Ira, responda pra mim porque meu coração está partido e não consigo mais entender o sentido de se viver para então depois morrer...

Dia de Ira será o dia em que a humanidade se reduzir a cinzas.

Uma insignificância de que muitas vezes se toma consciência tarde demais...

É preciso refletir, em que se aposta a vida. Qual sustentáculo se busca para encontrar sentido na própria existência. Por que a apologia do egoísmo prepondera, adoece o homem. Cultura da morte, avessa à cultura da vida.

O estilo operístico dessa obra resgata o mega espetáculo silencioso que a humanidade se nega a ouvir. O som existente em cada ser.

Mas é impossível não se render às vozes que fazem coro a uma súplica de prece e resposta à plenitude invisível da emoção que transcende ao imponderável e chega à onipotência do próprio Deus.

Verdi se rende à beleza da vida, no mundo invisível e faz coro junto a seu discípulo fiel, a sua obra, onde juntos compõem a verdadeira história de uma vida. Ad eternam amén!

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O maestro Silvio Barbato era Regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Diretor Artístico do Teatro Nacional Cláudio Santoro em Brasília e Diretor Musical da Sala Palestrina, em Roma. Doutor em filosofia da música pela Universidade de Chicago, foi o mais jovem músico a comandar uma ópera completa no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, aos 25 anos.

Em 2001, ele foi premiado com o Grande Prêmio Brasil de Cinema por seu trabalho como diretor musical do filme Villa Lobos, Uma Vida de Paixão. Em 2003, compôs o balé Terra Brasilis apresentado também na Itália. Entre diversos outros prêmios, recebeu a Medalha do Mérito Cultural da Presidência da República e foi promovido ao grau de Comendador da Ordem do Rio Branco.

Silvio Sergio Bonaccorsi Barbato (Rio de Janeiro, 11 de maio de 1959 — Oceano Atlântico, 1° de junho de 2009), aos 50 anos, estava a bordo do Airbus da Air France, que desapareceu no Oceano Atlântico durante o voo 447 de 1° de junho de 2009.