Portal da Família
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Por que a educação virou um negócio |
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João Malheiro |
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É com tristeza que recebemos, cada vez com maior frequência, a notícia do encerramento de mais um colégio, dito tradicional, nas principais capitais do país. Nos últimos anos, várias instituições de ensino, sofrendo economicamente com a diminuição da demanda, são forçadas a fechar suas portas, quase sempre após uma longa agonia. Motivos para isto não faltam: perda da qualidade do ensino devido ao inevitável envelhecimento e saída de seus diretores, coordenadores e professores fundadores, em geral idealistas e de melhor qualidade; descuido na seleção e formação de novos professores, por motivos econômicos ou filosóficos; desorientação na missão da escola, deixando de lado o foco em seus princípios educacionais; visão distorcida por parte das famílias acerca do papel da escola na formação dos filhos; pressões materialistas destruindo os verdadeiros valores humanos; taxas de natalidade muito baixas; concorrência de outras instituições; e – sem pretensão de esgotar os motivos –, falta de atualização curricular, pedagógica e de avaliação. Como educador, porém, confesso que sinto muito mais desgosto e autêntica indignação quando observo organizações educativas, muitas delas com “aura de santidade”, ser impregnadas por finalidades apenas mercantilistas ou, o que é ainda mais lamentável, ser envenenadas por ideologias que, comprovadamente, seduzem para o mal ou deformam as consciências. Mas, perguntemo-nos: quem tem a culpa dessas deformações: a escola ou as famílias? A resposta mais correta me parece ser: nenhuma das duas, e sim o mau uso da liberdade individual de cada pessoa que constitui cada escola e cada família. O homem, ao examinar as próprias tendências e inclinações interiores, encontra algumas forças que o conduzem à plenitude do seu ser e outras que o desviam. O mesmo ocorre com os valores que encontra no ambiente em que vive. Muitas vezes, sentirá dúvidas sobre se determinada atitude o conduzirá a essa realização. Em outras, perceberá claramente, através da própria frustração ou remorso, que errou. Em ambas as situações, portanto, deverá buscar honestamente a verdade em fontes seguras e sentir-se responsável por formar corretamente a própria consciência. Quando se omite deste grave dever, além de estar se desviando do caminho que o levará à felicidade, estará influindo nas decisões de outros que virão atrás. Na maioria das vezes, as pessoas mais velhas não são conscientes de que alimentam comportamentos éticos (ou antiéticos) dos mais novos. O “modus vivendi” de um pai, professor, chefe é o que formará ou deformará a consciência dos seus pupilos e subordinados. A pessoa individual sempre se alimenta do ethos herdado (moralidade tradicional), e por sua vez o ethos cresce pela qualidade moral desenvolvida em cada individuo. É por isso que a comunidade de indivíduos é co-responsável pela manutenção do seu ethos, pela sua queda ou pelo seu crescimento. Esta corresponsabilidade parte da moral do indivíduo, que influencia a da família, e em seguida a dos grupos sociais mais afastados: escola e local de trabalho, até alcançar a cultura como um todo. Se visualizarmos este processo como uma dinâmica circular, deduziremos que pode ser um movimento circular ascendente – quando todos individualmente estão buscando honestamente a verdade, enriquecendo o ethos – como também descendente – quando todos, por ignorância ou por malícia, a desprezam. Sou da opinião de que aquilo que provoca o “terremoto educacional” de nossas escolas é um autêntico movimento circular descendente do ethos em que vivemos. Se fizermos um rastreamento histórico, como já foi feito pelo filósofo MacIntyre em sua obra After Virtue (Depois da Virtude), detectaremos que em poucos momentos da história se chegou a tanta desordem moral. Segundo o autor, a sociedade, ao desprezar a busca pela verdade, acreditando que é impossível recorrer a razões objetivas para justificar princípios éticos universais, caiu no emotivismo, que é instituir o reinado do irracional, do material, do hedonismo. A educação tornou-se, consequentemente, um espaço não tanto para desenvolver as potencialidades racionais, volitivas e afetivas, que facilitem o pleno desenvolvimento do ser humano, com o fomento de seus valores naturais e aprendizado das virtudes éticas, mas um meio para galgar patamares sociais cada vez mais altos e lucrativos. Pressionados por esta mentira, numa verdadeira espiral para baixo, pais, professores e alunos começaram a buscar nos centros de ensino somente aquilo que lhes proporcionasse esses objetivos: apenas uma boa formação acadêmica, que lhes desse uma oportunidade de trabalho interessante para depois poder alcançar o máximo prazer possível com o mínimo esforço. A formação do ser humano foi suplantada pela formação do “ter” e pelo mostrar que se tem. A felicidade ansiada foi também substituída pela depressão, vazio existencial e egoísmo solitário. Obviamente, dentro dos próprios mecanismos de mercado, as escolas que possuíam a missão de formar integralmente a pessoa humana começaram a ser desprestigiadas. Por outro lado, as que começavam a dar bons “retornos econômicos” eram reconhecidas como as melhores. Os donos de escola, envolvidos e arrastados também nessa corrente circular cobiçosa, aos poucos foram esquecendo o papel do verdadeiro educador e se deixaram seduzir pelo negócio que dá mais dinheiro. Sua missão foi desfigurada. Sua responsabilidade por tornar o ethos atual negativo também cresceu. Agora, a pergunta que os leitores devem estar se fazendo é a seguinte: é possível transformar a escola num bom negócio, e ao mesmo tempo cumprir sua missão? A resposta dependerá, como dizíamos anteriormente, de cada cidadão sentir-se corresponsável pelo bem comum. Para isto, acredito que nós educadores, e todos os transformadores sociais que também influem muito diretamente no nível alto do ethos social, têm um papel dobrado de contribuir para que o movimento circular deixe de ser descendente e volte a ascender, pois somos nós que semeamos bondade, beleza, verdade e liberdade em todos os que nos escutam. |
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João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ e diretor do Colégio Porto Real, Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. É autor de vários livros como "A Alma da Escola do Século XXI", "Fortalecer a Alma da Escola" e "Escola com Corpo e Alma", da Editora CRV Ltda. É palestrante sobre vários temas de educação em colégios e universidades. Especialista sobre Valores e virtudes ética na escola. No final de 2017, lançou o seu quarto livro - A PRECEPTORIA NA ESCOLA. UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DE SUCESSO, finalizando sua "tetralogia". E mail: joao.malheiro@colegioportoreal.org.br Publicado no Portal da Família em 18/01/2011 |
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