Portal da Família
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MODELOS FAMILIARES: AFETIVIDADE |
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André Gonçalves Fernandes |
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Se a convivência e a afetividade fossem, efetivamente, o fundamento e a razão de ser do Direito de Família, não restaria evidente um critério objetivo que impulsionaria a sociedade e o próprio direito a se ocupar de tais situações.
O problema reside no fato de que há muitas situações de convivência, de afetividade ou de ambas que nunca buscaram a força atrativa do direito, salvo para efeitos periféricos, a saber, para atribuir algumas consequências jurídicas acidentais, como, por exemplo, no passado, em que se indenizava o cônjuge do lar pela dedicação exclusiva aos afazeres domésticos no caso de dissolução da união estável. Logo, o fato de duas pessoas viverem juntas ou estabelecerem laços de afetividade não parece suficiente por si para justificar toda uma regulação jurídica tão densa que possa ser erigida à condição de direito de família, cuja finalidade, já ensinava Agostinho, no século IV, é a de regular e proteger uma estrutura antropológica objetiva. Ainda que se argumente que, concomitantemente, o direito conceda notável relevância a um desejo psicológico do casal, de fato, a afirmação procede, mas não é, juridicamente, o elemento essencial do modelo de família. Mas não é só. Se a bandeira do afeto é levantada a prumo no território do direito de família, logo, convém apreciar sua situação na estrutura do ente humano. Na Antiguidade, Aristóteles admitia a afetividade como uma potência humana, pareada da inteligência e da vontade. Entretanto, na ótica do mesmo filósofo, à vista de sua parca contribuição para a realização da plenitude humana, ele não procurou desenvolver com afinco o estudo desta matéria. Ele entendia que a felicidade (em grego, eudamonia) era conquistada por uma vida virtuosa. O estudo filosófico do campo afetivo só voltou a ganhar força na segunda metade do século XX com a fenomenologia, que trata de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção, cujo objetivo é o de alcançar a intuição das essências, isto é, o conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de forma imediata. O desconhecimento e a aversão científica ao tema provocaram um atraso na compreensão de sua efetiva importância e de sua ação recíproca com a vontade e a razão humanas. A afetividade é confundida, muitas vezes, com sua versão reducionista, conhecida por sentimentalismo, o qual restringe a dimensão afetiva, esta nobre realidade da natureza humana, a uma mera tendência permanente e, em geral, consciente, que dirige e incita a atividade do indivíduo para um fim (por exemplo, as pulsões do prazer sexual, a libido, e as da atração para a morte, o suicídio). Assim, conhece-se muito da cadeia mecânica das sensações, imprescindível para o estudo da afetividade, mas pouco (ou nada) se sabe sobre sua causa existencial. A depender do caso concreto, o sentido e o alcance dos afetos podem ser maximizados ou minimizados, quando estão desamparados da luz da antropologia filosófica. O excesso ou a falta podem proporcionar prejuízos. No direito de família, a louvação desmedida e errônea da afetividade é nociva às estruturas familiares. A afetividade, na estrutura antropológica do ser humano, sem os arreios das virtudes da temperança e da fortaleza, segundo Aristóteles, provoca, no momento de tomada de decisão, um juízo menos livre e mais suscetível de manipulação, pois tende a justapor a deliberação à satisfação imediata dos prazeres sensíveis. A respeito, Lewis afirmava que “todo amor humano, em seu apogeu, possui a tendência de reivindicar uma autoridade divina. Sua voz tende a soar como se fosse a vontade do próprio Deus. Ela nos diz para não medir o custo, exige de nós um compromisso total, tenta superar todas as outras reivindicações e insinua que todo ato feito sinceramente “por causa do amor” é, portanto, bom e até meritório. Que o amor erótico e o amor patriótico tentam dessa forma “tornar-se deuses” é geralmente conhecido. Mas afeição familiar pode fazer o mesmo, assim como a amizade, embora de modo diverso (in Os Quatro Amores; Martins Fontes; São Paulo; 2006; 3ª ed.; p.57)”. Quando as pessoas se permitem levar pela dimensão dos afetos exclusivamente, elas perdem sua natureza quando os afetos se desnaturam. Entronizar a afetividade como fundamento do vínculo familiar é o mesmo que pleitear ao direito que faça mais do que a realidade permite, sem fazer o que a realidade pede. Salvo melhor juízo, é o que penso. |
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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 21/07/2011 |
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