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Claro que é o amor “o que importa”!

Tomás Melendo

Uma pequena introdução de Marta Román: casamentos “de etiqueta” e casamentos de “Sim, aceito”:

Que mania as pessoas têm agora de pôr etiqueta nos casamentos e no que deles deriva, quer dizer, as famílias. Hoje em dia se reduzem a duas: “Tradicional” que soa como “aborrecimento” e “Moderna”, que soa como “muito bem”.

Neste artigo Tomás Melendo rompe este esquema e me dá outra visão, mais real e, sobretudo, mais profunda do que supõe dizer “Sim, aceito”, na vida de duas pessoas. Ele o expressa como um “ato único” que, dito “em cristão”, significa lançar-se à aventura, perder o medo ou algo assim. O casamento é a ação concreta que marca um antes e um depois e o verdadeiro “sim, aceito” é o que capacita duas pessoas para fazer possível o impossível.

O verdadeiro casamento não tem etiqueta e é próprio das pessoas de hoje ou de antigamente, mas de pessoas ousadas, abertas a novas experiências e aventureiras: que arriscam, que desafiam olhares de hipocrisia diante da chegada de um novo filho e com sorriso franco dizem – e como dizem – “venha à sua casa”. Pessoas que se vestem tanto com roupa de marca, como Zara, ou como hippie. Pois tanto faz usar tranças quanto alisar o cabelo.

Porque é gente que, com seus variados estilos de vida, se move num plano invisível com uma ideia comum sobre o matrimônio: que a felicidade tem muito a ver com encontrar uma pessoa com quem dividir a aventura da vida.

É verdade que existem casamentos de etiqueta ou casamentos de “mero trâmite”, que tentam planificar um futuro no qual tudo está previsto e no qual o amor, se há, é o suficiente para justificar esta união. Mas, pensar nelas me parece muito aborrecido, tanto se foram celebradas há três séculos como no sábado passado.

Como sou má....

O amor, sim, é o que importa

Mais de uma vez ouvi explicar a grandeza do amor que se coloca em jogo no momento do casamento, fazendo ver que não se trata de um ato de amor como qualquer outro, mas de algo especialíssimo, realmente grandioso, porque traz consigo a ousadia de tornar obrigatório o amor futuro: se antes do casamento os noivos se amavam de forma radicalmente gratuita, sem compromisso algum, no preciso momento do “sim” se amam tanto, com tal loucura e intensidade, que são capazes de se comprometer a se amarem por toda a vida.

Sendo isso verdade, não o é menos algo que, com frequência, nem sequer se nomeia.... A saber: que o sim matrimonial é capaz de originar a obrigação prazerosa de se amarem para sempre, nas tristezas e nas alegrias, porque simultaneamente torna possível esta entrega incondicional.

E “isso” não é uma loucura?

A reflexão sobre os excessivos fracassos matrimoniais que observamos na atualidade, e, mais ainda, a maior frequência com que rompem os laços aqueles que estavam unidos em convivência quase matrimonial, mas sem se casar, me levaram a reparar que a pretensão de se obrigar a amar por toda a vida outra pessoa, com total independência das circunstâncias pelas quais um e outro atravessem, se não for acompanhada de um robustecimento da recíproca capacidade de amar, resultaria, no fundo, numa soberana ingenuidade, quase uma demência.

Em parte para atrair a atenção dos que me escutam e, sobretudo porque acho que o exemplo é correto, ainda que atrevido, quero ilustrar este dever-capacitação com o mandamento máximo e maximamente novo que Jesus Cristo impôs a seus discípulos na Última Ceia.

E acrescento, com todo respeito possível e uma pitada de humor, que semelhante pretensão seria uma autêntica brincadeira se o Senhor, no momento de estabelecer o preceito, não incrementasse de maneira quase infinita a capacidade de amar do cristão, ou previsse os meios para fortificá-la e fazê-la crescer.

Como, se não assim, pedir a uns simples homens que amem aos outros como o mesmíssimo Deus os ama: “Como Eu vos amei”?

Pois algo parecido, não idêntico, acontece no momento do casamento, também o que se situa no âmbito natural. No mesmo momento em que pronunciam o sim de maneira livre e voluntária, os novos cônjuges não só se obrigam, mas, sobretudo se tornam mutuamentecapazes de se amar com um amor situado a uma distância quase infinita acima do que poderiam oferecer-se antes desta doação total. Pelo contrário, sem este sim que os “faz aptos”, a pretensão de obrigar-se se tornaria quase absurda.

O importante

Quando meus amigos ou alunos afirmam, com mais ou menos agressividade e “para me provocar”, que o importante para levar a bom termo um matrimônio é o amor, respondo-lhes sem titubear que sem nenhuma dúvida estou muito mais convencido que qualquer um deles.

(E mais, considero que por haver centrado a chave da vida conjugal no amor mútuo, deixando de lado outras razões menos fundamentais, é um dos ganhos ou conquistas teóricas mais relevantes dos últimos tempos com relação ao matrimônio).

Mas imediatamente acrescento que, para se poder amar com um amor autêntico e do calibre que exige a vida em comum para sempre, é absolutamente imprescindível ter-se habilitado para isso; e que semelhante capacitação é de todo impossível à margem da entrega radical que se realiza quando se casa.

Com outras palavras: o importante, do ponto de vista antropológico, não é nem “os papéis” nem “a benção do padre”.

(Pessoalmente, considero uma inaceitável usurpação e, por isso nego categoricamente que me case algum funcionário do Estado, nem sacerdote algum; caso-me eu – e minha mulher – e justo e só porque eu quero e ela quer; nenhuma outra pessoa está capacitada para fazê-lo por mim; só o livre consentimento dos cônjuges realiza esta união, com todos os efeitos antropológicos que leva junto).

Entretanto, para que o importante – o amor – seja efetivamente viável torna-se de necessária a ação de livre entrega pela qual os cônjuges se dão um ao outro exclusivamente e para sempre.

Estamos, digo especialmente para os conhecedores da filosofia, embora todos possam entender, diante de um caso muito particular do nascimento de um hábito bom ou virtude: que para ser mais claro, é justamente a virtude da “castidade conjugal”, tão denegrida.

Virtude... que aborrecimento!

Não quero insistir em que o hábito e a virtude têm muito menos relação com a repetição de atos, que normalmente conduz à rotina ou até à mania, que com a potencialização ou habilitação da faculdade ou faculdades que revigoram.

Quer dizer, o hábito e a virtude, com independência absoluta de sua origem, nostornam melhores e, de forma muito direta, nos permitem agir num nível muito mais alto do que antes de possuí-los.

A questão fica muito fácil de notar nas habilidades de tipo intelectual, técnico ou artístico, chamadas em filosofia hábitos dianoéticos: só quem aprendeu durante anos a esboçar, projetar edifícios e jardins ou a interpretar corretamente ao piano (e o resultado destes aprendizados são diferentes hábitos ou capacitações de um conjunto de faculdades) écapaz de realizar estas atividades de forma correta e adequada com facilidade e prazer, e sem perigo próximo de se enganar... a não ser que tenha vontade de fazê-lo mal (coisa não muito frequente).

O mesmo acontece com as virtudes em sentido mais estrito, que são as de ordem ética. Quem adquiriu a virtude da generosidade, por exemplo, não só se desprende facilmente daquilo – o tempo em primeiro lugar! – que pode fazer mais feliz o outro, como se sente inclinado a realizar esse tipo de ações e desfruta ao realizá-las.

Daí se conclui que a vida eticamente bem vivida não é uma espécie de corrida de obstáculos tediosa e sem rumo, um “mais difícil ainda” carente de fim, mas que, precisamente por causa das virtudes, compõe um caminho de desfrute progressivo, onde, inclusive a dor e o sacrifício se tornam prazerosos.

A gênese das virtudes

Uma das diferenças assinaladas tradicionalmente entre hábitos dianoéticos (técnicas, artes, etc.) e éticos, é que alguns daqueles podem ser conseguidos com um só ato – aí se enquadra, por exemplo, a tão clara como difícil de comprovar aquisição do “uso da razão” -, enquanto que as virtudes propriamente ditas requerem uma repetição de atos realizados cada vez com maior amor.

Proponho uma leve correção nesta doutrina. Por um lado, porque a experiência demonstra que, em certas ocasiões, uma pessoa adquire o valor ou perde o medo, como resultado de uma única ação mais ou menos arriscada: por exemplo, lançar-se na piscina depois de meses de hesitação, ou saltar de paraquedas pela primeira vez...e experimentar a emoção que faz voltar a saltar, mas agora, sem medo.

E me parece que o ato único da entrega matrimonial consciente e decidida tem um efeito muito parecido: dá aos que se casam o vigor e a capacidade para se amarem por toda uma vida a uma altura e uma qualidade que se tornam impossíveis sem esta doação absoluta.

Coisa não difícil de entender se recordarmos que o fim de toda a vida humana é o amor entregue, e que a oferta que se realiza no matrimônio (igual à oferta que se faz a Deus de forma definitiva), por encarnar, de maneira privilegiada esta tendência ao amor, não pode senão fortalecer a capacidade de amar, até o ponto de situá-la a uma distância quase infinita daquela que os namorados tinham antes do casamento.

Não se trata de uma questão psicológica, como alguns me comentaram ou me perguntaram, ainda que também possa se refletir nestes domínios, mas de algo infinitamente mais sério. Estamos diante de uma mudança abismal, comparável, por exemplo, ao que em filosofia denominamos o primum cognitum, ou à chegada do “uso da razão”: aquele hábito que permite – num momento difícil de precisar, mas sem dúvida existente –, conhecer a realidade tal e qual ela é, com independência de seus benefícios ou desvantagens para mim, não como os animais e as crianças de muito pouca idade, no que cada um supõe para sua própria satisfação ou mal-estar.

Deste modo, pode-se falar igualmente de um hábito primeiro nos domínios do conhecimento, que leva a conhecer de um modo radicalmente superior ao que tem antes de sua formação (é o que eu chamo de primum cognitum entitatis). É legítimo referir-se a um hábito muito concreto da vontade – que poderia ser denominado, se não fosse de mau gosto, habitus sponsalis amoris –, que faz possível amar de um modo inédito e muito enobrecido conjugalmente.

Até o extremo de se afirmar que a pessoa que o gera – justo no instante e como produto da entrega sem reservas – é capaz, em geral, de fixar definitivamente o objeto dos seus amores naquele (ou nAquele) a quem se entregou e, no caso do matrimônio, de transformar o corpo sexuado em veículo eficaz da entrega da própria pessoa... algo impossível antes de se casar.

Habilitar-se... mais ou menos

Explico-me com um pouco mais de detalhes. Às vezes entendemos a responsabilidade como a conta que havemos de pagar pelo que fizemos mal; ou do prêmio que receberemos pelo bem que há em nossa vida (e que nós nos encarregamos de deixar muito claro).

De novo é uma visão correta, mas muito pobre. Diante de qualquer ação que realizamos, nossa pessoa responde de imediato, melhorando ou piorando, fazendo-nos mais capazes de agir de novo, melhor e com mais facilidade, no mesmo sentido, bom ou mau: quem se acostuma a roubar vai se tornando um ladrão; o que mente, um mentiroso; o que dirige grandes empresas para o bem dos outros, uma pessoa magnânima; quem treina sete horas no ginásio – se não morrer na tentativa – um autêntico “musculoso”, etc.

Esta resposta que nos marca, queiramos ou não, é a verdadeira responsabilidade: o modo como nosso ser responde e se modifica em função das nossas ações.

Coloquemo-nos na suposição de ações boas. Cada uma delas nos melhora e nos faz mais capazes de realizar facilmente, com gosto e sem nos enganarmos, o mesmo tipo de ações. Mas nem todas nos capacitam com a mesma intensidade.

Quem empresta suas anotações de estudo a um colega, se torna um pouco mais generoso; quem dedica toda uma tarde a explicar o que o outro não entende, é mais generoso ainda; quem, sem que se note, está constantemente atento – ainda que lhe custe sangue – a que seus amigos façam o que devem, com graça e sem que o percebam, é um sujeito grande, um mestre em generosidade e em muitas outras virtudes.

Um esclarecimento importante

Mas todos estes exemplos enquadrariam melhor com o incremento paulatino da capacidade de amar que, quando queremos bem, vamos gerando em nós.

Há outros casos que se situam mais perto do que estamos considerando, ainda sabendo que um exemplo é só isso: algo que, se está bem escolhido, ajuda a entender a realidade que pretendemos ilustrar, mas que não se identifica com ela.

Refiro-me, para resumir, e do lado negativo, a que quem não se decide a se atirar de um trampolim, vencendo com isto o medo que inicialmente o domina, nunca estará em condições de saltar de novo, com prazer e livremente, melhorando progressivamente a técnica e o estilo.

Ou, positivamente e apurando um pouco mais a analogia, a firme decisão que leva, depois de um tempo de aprendizagem, a se atirar de paraquedas, pela primeira vez em queda livre, de um avião, graças a um ato de valor que vence o medo conatural a realizar este salto; ou, numa linha muito distante, a dar o passo definitivo para entrar e exercer uma profissão de alto risco em benefício dos outros (penso, entre outros, nos bombeiros ou nas equipes de salvamento), fazendo pouco caso do temor que suscita pôr a própria vida em perigo, com relativa frequência.

Nestas circunstâncias e em outras semelhantes, este notável ato de virtude, ao multiplicar o vigor das faculdades respectivas, coloca quem o realiza num nível superior ao que estava antes de fazê-lo e o autoriza a ir se superando no exercício cada vez mais perfeito das atividades que antes não eram possíveis e que agora, sim, já são.

A grande aventura

E, quase no fim desta linha ascendente, situa-se o sim do casamento.

Como foi mostrado, homem e mulher são seres “para o amor”; e a maior expressão de todo amor é a entrega. Quando esta entrega é sincera, profunda, total e por toda a vida – coisa que se manifesta num só ato, o sim do casamento –, como não responderá nossa pessoa incrementando de uma forma impensável sua capacidade de querer?

Aí se encontra a razão antropológica mais profunda da necessidade de casar-se! O motivo mais entusiasmante para dizer um sim que nos permite iniciar a grande aventura do matrimônio: o caminho que nos levará até nossa plenitude pessoal e nossa felicidade.

Isto soa demasiado utópico? Que pena! Porque então não se compreende o que é uma aventura. O próprio dela é que: Aqueles que a empreendem coloquem para si uma meta alta, aparentemente inalcançável, mas que vale a pena.

Não tenham nenhuma segurança de que vão alcançar seu objetivo; do contrário, onde está a graça da aventura?

Uma vez que a iniciaram, não permitam que as dificuldades e os contratempos, também os imprevistos, sufoquem a ilusão inicial, nem os impeçam de se regozijar com o que conseguirem.

O olhar fixo no fim, no triunfo, faz com que, a cada passo, renovem-se as energias e a coragem para seguir adiante.

Se enfocamos deste modo o matrimônio, contando com as forças que nos proporciona o havermos casado, sim, será certamente um caminho de rosas, no qual a aparência e o perfume das flores fazem que quase não nos apercebamos das picadas dos espinhos (que mau gosto! , mas como minha mulher não leu...).

Não o será, entretanto, se por ignorância ou desleixo ou desprezo decidimos que o casamento é um mero trâmite e não nos capacitamos para querer com um amor relevante, venturado e venturoso; mais ainda, com este ato-omissão vamos, paulatinamente, nos fazendo incapazes de amar da forma correta.

o contrário, se, mediante o matrimônio, conseguimos que o importante seja efetivamente o amor, não cabe a menor dúvida de que vale a pena casar-se!

Tomás Melendo Granados

Catedrático de Filosofia (Metafísica)

Diretor dos Estudos Universitários em ciência para a Família - Universidade de Málaga

www.masterenfamilias.com

email: tmelendo@uma.es

 

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Publicado no Portal da Família em 22/02/2012

Tradução para o Portal da Família: Sílvia Castro

 

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