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André Gonçalves Fernandes
Coluna "Lanterna na Proa"

Cidadania: Atuação Pública

André Gonçalves Fernandes

Para o homem grego, seu nobre horizonte de realização encerrava-se na polis, local apropriado para o exercício da educação virtuosa recebida e para a participação política nos destinos da sociedade, no seio do projeto platônico de uma cidade justa habitada por cidadãos justos.

Com o advento da democracia representativa, em razão das limitações intrínsecas do modelo de democracia direta grega, a participação política do cidadão teve sua dimensão bem diminuída, mas tal fato não justifica uma apatia cidadã, como se a sorte da cidade não se confundisse também com os destinos do cidadão individualmente considerado. É a tática avestruz: enterrar a cabeça, ou seja, centrar-se em si, ignorando o todo citadino. Quem enfia a cabeça no buraco, um dia, acaba por perdê-la...

Essa apatia é explicada, mas não justificada, pelos três efeitos negativos que, a meu ver, a democracia representativa tem produzido. Primeiro, um progressivo desencantamento generalizado com boa parte dos políticos profissionais, fruto dos sucessivos escândalos de corrupção na gestão da coisa pública: desvios ou abuso de poder, confusão entre o público e o privado, assalto aos cofres públicos e “caixa dois” em período eleitoral. Inclusive, essa última modalidade foi cinicamente batizada, pela máxima delubiana, como “recurso financeiro não contabilizado”...

O segundo efeito negativo está no fato de que as eleições majoritárias ou proporcionais ocorrem a cada quatro anos. O político profissional mal intencionado, diante disso, sabe que a memória eleitoral do cidadão é curta e, como consequência, sente-se à vontade para agir, desvinculando-se das ideias que serviram de plataforma no período eleitoral e que, por força do mandato popular recebido, devem necessariamente pautar sua atuação representativa.

O terceiro efeito, já bem diagnosticado por Castoriadis (1983), resulta da diferença que a democracia representativa cria, quando mal gerida, entre representantes e representados, acabando por afastar a política das práticas cotidianas da vida social. Segundo ele, “a representação ‘política’ tende a ‘educar’ – isto é, a deseducar – as pessoas na convicção de que elas não poderiam gerir os problemas da sociedade, que existe uma categoria especial de homens dotados da capacidade especifica de governar”.

O estado de cidadania apático a que assistimos não se cura com mais apatia. Isso só faria reforçar a dissociação acima destacada entre as duas esferas muito íntimas do regime democrático: política e a vida em sociedade. Duas esferas que, para o cidadão grego, não se sobrepunham apenas na teoria dos filósofos da época, mas se misturavam na prática do dia-a-dia.

O mesmo cidadão grego poderia, no espaço da ágora, ouvir Sócrates, Platão ou Aristóteles dissertando sobre filosofia política à sombra de uma frondosa árvore (para minha inveja) e, logo em seguida, ao lado, dirigir-se até o mercado e, enquanto comprava trigo e azeite, conversar com o vendedor ou com o político eleito sobre a melhor forma de resolver o problema de saneamento da cidade ou sobre a necessidade de construção de um templo para a deusa Deméter como agradecimento à farta colheita daquele ano.

Hoje, para se vencer esta situação política apática, a atuação do cidadão no seio social deve ser da mesma envergadura do cidadão grego. A diferença, talvez, estaria apenas nos meios de ação junto aos condutores da coisa pública, como as denúncias ao Ministério Público, as reclamações aos meios de comunicação e aos próprios parlamentares eleitos e as ações judiciais.

Outra diferença também estaria na forma do processo racional argumentativo, ou seja, do discurso público, sempre fincado em enunciados de razões públicas, sobretudo se existe a intenção de questionamento, suspensão ou reelaboração das pretensões de validade de uma norma ou princípio de ação social.

Minha experiência como cidadão e juiz eleitoral aconselha prudência e uma certa dose de ceticismo quando o assunto envolve exercício de cidadania e eleitor brasileiro do nível escolar que conhecemos. Estou fazendo a minha parte com os desajeitos típicos de minha mediania, mas com a grandeza sem limites de meus ideais, tomados por empréstimo e conduzidos com superior dinamismo e talento por meus antecessores. Contudo, este é um dos poucos casos em que o colunista concede prioridade aos outros e aguarda, sinceramente, não ter a razão ao seu lado. Com respeito à divergência, na esperança de que ela prevaleça, é o que penso.

cidadania e sociedade

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 18/07/2014

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