Portal da Família
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Educação ou barbárie |
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André Gonçalves Fernandes |
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As manifestações populares recentes, sucedidas do vandalismo gratuito e niilista do movimento black blocs, levam-nos a inúmeras conclusões acerca do estado das coisas. Fomos habituados, em nossa formação ocidental, com uns laivos de hybris grega, a procurar a culpa. Então, cada um que faça seu exame de consciência. Nossas sociedades pluralistas, sendo as melhores que a humanidade já produziu até hoje, têm errado em dois terrenos, aliás conexos, por uma espécie de demissão do Estado, preocupantemente economicista, e pela omissão social, crescentemente alienadora e desencadeadora de uma visão pragmática e utilitarista. O primeiro equívoco é a incapacidade de integração social. Apesar das tentativas, ainda não conseguimos uma sucedida fórmula de integração de todos os estamentos sociais e muitas minorias têm sido excluídas do acesso aos efeitos positivos da globalização política, econômica e cultural. Tais minorias sofrem de uma espécie de morte civil antes de se alcançar a cidadania: terminam sua existência pobres e alheados de saber e de poder. Tão ou mais importante que a redistribuição da riqueza estão a redistribuição da cultura, da educação e da participação política. O segundo equívoco reside na falência cultural e educacional. Na esfera pública e mesmo na privada, ainda não adotamos um modelo educativo capaz de criar cidadãos conscientes e politicamente atuantes, além de culturalmente formados. Do contrário, haveria bem menos processos sociais alienantes na realidade humana: desemprego, desencanto, drogas e violência. Temos a sensação, sobretudo no ensino superior, de que a educação – e, mais agudamente em minha área, a educação jurídica – serve para muito pouco. Então, logo aparece um economista ou um burocrata para dizer que a educação é muito cara: sem dúvida, é cara para quem a alcança e para as portas que ela abre para quem se tornou educado, o que não quer dizer que não se deva gastar bem, ainda mais se for para conseguir mais e melhor. Mas muitos economistas e quase todos os burocratas esquecem-se de um dado muito caro: o fenômeno educativo decorre do fato de que o ser humano surge para a vida numa situação de desamparo e, por isso, está necessariamente referido a outro. Existem seres vivos que são autônomos desde os primeiros momentos de sua existência, o que pode ser observado fartamente na natureza animal. Ao contrário, um ser humano recém-nascido demanda uma série de cuidados para poder sobreviver e levar adiante seu próprio desenvolvimento até a maturidade. Surge assim uma relação entre uma nova vida, que ainda não tem a consciência de sua própria existência, e uma outra em andamento, representada pelos pais, educadores, mestres e docentes, cuja função é a de facilitar o advento das capacidades que resultem necessárias das circunstâncias vitais e históricas, as quais estão delimitadas por um arco de tempo que, normalmente, encerra-se no momento em que aquela nova vida alcança sua independência existencial. Quando essa dimensão é menosprezada, o resultado, somado a outros fatores, é a sensação social de perda, em muitos campos, da noção de proporção ou de limites: mata-se por nada, cobra-se por algo que não se provocou, ignora-se quando deveria acolher-se e consome-se o supérfluo ao invés do necessário ou do útil. Em outras palavras, os bárbaros modernos já estão aí: mas fomos nós que os criamos e os deixamos proliferar. Nós já fomos educados e adquirimos as excelências que nos tornam responsáveis pelos destinos da cidade. Em suma, crescemos. Mas, muitas vezes, tenho a impressão de que, na prática, desaparecemos. Com respeito à divergência, é o que penso. |
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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 06/02/2014 |
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