por Armando Correa
de Siqueira Neto*
Há uma considerável lista de fatores que contribuem para
os problemas conjugais, que vão desde dificuldades financeiras
até a incompatibilidade de gênios. Entretanto, o que será
considerado aqui é a formação de apego afetivo.
Desde bem pequenos os seres humanos têm a necessidade de cuidados
por parte de outrem. Durante o período de formação
da personalidade existem algumas circunstâncias fundamentais a serem
desenvolvidas. O vínculo afetivo é um elemento primordial
nesta categoria. Ele é básico. Do latim, vinculum:
atadura, laço, aquilo que une.
Estudos conceituam o vínculo afetivo como sendo fundamental para
as relações humanas. Alguns psicólogos acreditam
que deve ocorrer algum relacionamento logo no início da vida da
criança se quiser que ela forme, mais tarde, vínculos significativos.
O que tem se tornado presente durante a estruturação da
personalidade infantil são os contatos superficiais, cuja preocupação
localiza-se em prover a criança com alimentos, moradia e escola.
Todavia, são insuficientes. E, ainda, muitas mudanças geográficas
e/ou trocas constantes de cuidadores dificultam a formação
do vínculo.
Posteriormente, na vida adulta, muitos obstáculos nas relações
humanas relacionam-se a esta precariedade de vínculo. As pessoas
não conseguem perceber este tipo de deficiência em seus relacionamentos.
Focalizam os problemas em outras questões, ou ainda, preferem nem
tocar no assunto. Há casos em que ignoram a possibilidade de lançar
mão de uma psicoterapia.
Entretanto, perde-se a chance de resolver na causa os efeitos de uma convivência
difícil.
Nestes casos, especificamente, onde houve uma deficiência na formação
de vínculo na infância e as decorrências comprometem
os relacionamentos subseqüentes, daremos o nome de Síndrome
do Comportamento de Hospedagem ou SCH.
No relacionamento de um casal onde há a presença da SCH,
quando entra na rotina da convivência, faz surgir um novo tipo de
comportamento. A pessoa age, inconscientemente, de forma semelhante a
um hóspede dentro de sua casa. Realiza as suas atividades comuns.
No entanto, a sua forma de ser apresenta frieza, ocasionada pelo distanciamento.
Aos poucos, vai agindo como se estivesse hospedada na casa, cumprindo
com alguns papéis pertinentes, todavia, trata as questões,
antes parcimoniosas, de forma independente. Deixa as responsabilidades,
sobretudo as domésticas, para o outro cuidar. Onde havia uma atmosfera
de cordialidade e doçura, passa a existir um espectro de isolamento
e pesar. O outro vai percebendo esta diferença e acaba por se sentir,
pouco a pouco, só. A sensação deste isolamento origina-se
na forma pela qual a ausência do vínculo se manifesta nesta
relação.
As discussões passam a existir com uma freqüência crescente.
Os conflitos podem surgir e avoluma-se no processo bola-de-neve. A pouca
consciência a respeito da SCH provoca a discórdia entre o
casal, atingindo quem estiver por perto nesta convivência, via de
regra, os filhos. Lembranças e cobranças de como a vida
conjugal era boa anteriormente são lançadas no calor das
discussões. Isto faz aquecer ainda mais o desentendimento. Esta
é uma situação estressante para o casal, podendo
levar os seus envolvidos à depressão e outros males, além
da separação.
Este comportamento reflete o quanto o seu portador, inconscientemente,
procura manter distância afetiva do outro para que não haja
envolvimento.
Por se tratar de uma síndrome enraizada na formação
vincular faz-se necessária uma avaliação psicológica.
Além de indicar tratamento através de profissional especializado
nas relações familiares, objetivando as mudanças
terapêuticas necessárias.
Não raro, crê-se que a síndrome nasceu dentro do relacionamento.
Todavia, ela foi desencadeada, apenas, durante o convívio. A pessoa
não enxerga o problema já antigo. É possível
comparar relações anteriores a atual e sentir que há
algo semelhante nelas. Contudo, é insuficiente para aceitar a síndrome
e o seu tratamento. O jogo de culpa é apenas um instrumento para
se defender, na tentativa de diminuir as péssimas sensações
diárias. De nada adianta. Só aproxima o casal da separação.
Separar, por sua vez, traz de volta o estado de isolamento requerido pela
síndrome.
Buscar ajuda especializada é o remédio para este mal. Crer
numa solução de poucos recursos como o esperar o tempo como
agente de mudanças é dar oportunidade para que se instale
a piora da SCH. Uma boa avaliação psicológica pode
dar novos rumos às vidas das pessoas que pretendem o convívio.
Dialogar, e, entenda-se bem, conversar com o coração aberto,
oferece uma primeira abertura para se compreender a vida do casal. Dar
o primeiro passo pode modificar aquilo que já era considerado algo
inevitável, como a separação. Há uma necessidade
de crescimento por parte das pessoas envolvidas. O grau de maturidade
determinará o quanto se quer conviver bem. Ambas as partes devem
estar dispostas e comprometidas em participar deste processo, apoiando-se.
Cuidar da questão, alterando o comportamento de hospedagem para
o de comprometimento afetivo em conjunto permite existir a unidade fundamental
das relações conjugais: a dependência equilibrada
e necessária do vínculo. Vale a pena lutar com vontade,
ajuda e conhecimento.
* Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo e psicoterapeuta.
Desenvolve treinamentos organizacionais e palestras com Psicologia Preventiva
e eventos educacionais.
E-mail: selfpsicologia@mogi.com.br
Publicado no Portal da Família em 25/04/2004 |
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